segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Mitologia Grega - Aquelau e Hércules.

NENHUMA IMAGEM ENCONTRADA.

O rio-deus Aquelau contou a história de Erisíchton a Teseu e seus companheiros, enquanto os retinha em sua margem hospitaleira, onde tiveram de aguardar que baixassem as águas. Ao terminar a narração, acrescentou: — Por que, porém, contar-vos as transformações de outras pessoas, quando eu próprio sou um exemplo da posse de tal poder? Às vezes, transformo-me em serpente e outras vezes, em um touro, com chifres na cabeça, ou melhor seria dizer que outrora podia fazer tal coisa; agora, só me resta um chifre, pois perdi o outro. E, nesse ponto, deu um gemido e calou-se. Teseu indagou-lhe a causa de seu pesar e como perdera o chifre, ao que o rio-deus respondeu da seguinte forma: — Quem se apraz em contar as próprias derrotas? Não hesitarei, contudo, em relatar a minha, consolando-me com a grandeza do meu vencedor, que foi Hércules. Talvez já tenhais ouvido falar em Dejanira, a mais linda das donzelas, a quem uma multidão de pretendentes procurava conquistar. Eu e Hércules estávamos entre eles, e os demais não se atreveram a competir conosco. Hércules apresentava a seu favor o fato de descender de Jove e seus trabalhos, com os quais fora além das exigências de sua madrasta Juno. Eu, por meu lado, disse ao pai da donzela: "Olha-me, sou o rei das águas que correm através de tuas terras. Não sou estrangeiro, vindo de um litoral distante, mas pertenço ao País, faço parte de teu reino. A real Juno não me tem inimizade nem me castiga com trabalhos pesados. Quanto a esse homem que se proclama filho de Jove, ou é um impostor, ou desgraçado dele se for verdade, por isso será a vergonha para sua mãe." Hércules encarou-me enfurecido e só com muita dificuldade se conteve. "Meu braço responderá melhor que minha língua", disse ele. "Concedo-te a vitória verbal, mas confio minha causa à prova dos fatos." Assim dizendo, investiu contra mim e, depois do que dissera, senti-me envergonhado de recuar. Despi minhas vestes verdes a apresentei-me para a luta. Hércules tratou de atirar-me ao chão, atacando, ora minha cabeça, ora meu corpo. Eu tinha em meu tamanho a proteção e seus ataques foram vãos. Paramos durante algum tempo, depois voltamos à luta. Mantínhamos nossa posição, dispostos a não ceder, disputando passo a passo o terreno, eu curvado sobre ele, apertando sua mão nas minhas, com a testa quase encostada na sua. Por três vezes Hércules tentou atirar-me ao chão e, da quarta vez, conseguiu e cavalgou-me. Eu vos digo a verdade: era como se uma montanha tivesse caído sobre as minhas costas. Lutei para libertar os braços, respirando ofegante e coberto de suor. Hércules não me deu oportunidade de livrar-me e agarrou-me o pescoço. Meus joelhos estavam em terra, minha boca no pó. Compreendendo que não podia competir com ele na arte da guerra, recorri a outros meios e escapei, rastejando, sob a forma de uma serpente. Enrosquei o corpo e silvei, ameaçando o adversário com a língua bipartida. Ele, vendo isso, sorriu, desdenhosamente, e exclamou: "Era trabalho de minha infância, vencer serpentes." Assim dizendo, agarrou-me pelo pescoço. Vencido sob essa forma, tentei a única saída que me restava e transformei-me em touro. Hércules mais uma vez segurou-me pelo pescoço e, encostando minha cabeça no chão, atirou-me à areia. E não se deu por satisfeito. Sua mão implacável arrancou-me o chifre da cabeça. As náiades o recolheram, consagraram-no e encheram-no de flores olorosas. A Fartura tomou-o como seu e chamou-o "Cornucópia". Os antigos compraziam-se em encontrar um sentido oculto em suas lendas mitológicas. Explicam esse combate de Aquelau com Hércules dizendo que o Aquelau era um rio que transbordava de seu leito, na estação chuvosa e, quando a lenda diz que ele amava Dejanira e procurava a ela se unir, isso quer dizer que o rio, em seus meandros, corria através do reino de Dejanira. Dizia-se que tomava a forma de uma serpente por causa de seu curso sinuoso e de um touro pela sua violência e fragor de suas águas. Nas cheias, o rio corria por outro canal. Assim, sua cabeça tinha chifres. Hércules impediu a ocorrência dessas inundações periódicas, por meio de barragens e canais, e foi dito, assim, que vencera o rio-deus e lhe arrancara um chifre. Finalmente, as terras sujeitas à inundação tornaram-se, depois de protegidas, fertilíssimas e isso é explicado pela cornucópia. Há outra versão da origem da cornucópia. Quando nasceu, Júpiter foi entregue por sua mãe, Réia, aos cuidados das filhas de Melisseu, um rei cretense, que alimentaram o deus infante com o leite da cabra Amaltéia. Júpiter quebrou um dos chifres dessa cabra e deu-o às suas amas, atribuindo-lhe o poder mágico de se encher com aquilo que desejasse seu dono. O nome de Amaltéia também é atribuído por alguns autores à mãe de Baco. Assim foi usado por Milton, no Livro IV do Paraíso Perdido:

...Na ilha niseniana,
Pelo Tristão cingida, o velho Cã,
Dos gentios o Amon dos líbios Jove,
Escondeu Amaltéia e o jovem Baco,
Seu filho, da madrasta intolerante.

ADMETO E ALCESTES

Esculápio, filho de Apolo, foi dotado por seu pai de tal habilidade na arte de curar que chegava até a restituir a vida aos mortos. Plutão alarmou-se com isso e conseguiu que Júpiter o fulminasse com um raio. Apolo, indignado com a morte do filho, tratou de vingar-se nos inocentes trabalhadores que haviam construído o raio. Eram os ciclopes, que tinham sua oficina sob o Monte Eta, do qual estão constantemente saindo as chamas e a fumaça provindas daquela oficina. Apolo desfechou suas setas contra os ciclopes, o que irritou Júpiter a tal ponto que o condenou a tornar-se servo de um mortal, durante um ano. Assim, Apolo foi servir a Admeto, Rei da Tessália, tomando conta de seus rebanhos, nas verdejantes margens do Rio Afrisos. Admeto era um dos pretendentes à mão de Alcestes, filha de Pélias, que a prometera àquele que a fosse procurar num carro puxado por leões e javalis. Admeto executou uma tarefa, com a ajuda de seu divino pastor, e foi premiado com Alcestes. Admeto, porém, adoeceu e, estando às portas da morte, Apolo conseguiu que as Parcas o poupassem, com a condição de que alguém se dispusesse a morrer em seu lugar. Muito alegre com essa esperança, Admeto não se preocupou muito com o resgate, talvez se lembrando dos protestos de dedicação que ouvira muitas vezes da boca dos cortesãos e dos servos. Pensou que seria muito fácil encontrar um substituto. Tal não se deu, porém. Guerreiros valentes, que, de boa vontade, arriscavam a vida por seu príncipe, recuavam ante a idéia de morrer por ele num leito de enfermo, e os servos que lhe deviam benefícios e que se encontravam a serviço de sua casa desde a infância não se dispunham a sacrificar os poucos dias que lhes restavam para mostrar sua gratidão. "Por que um de seus pais não se sacrifica?" perguntavam. "De acordo com as leis da natureza, eles não poderão viver muito mais e quem estará mais indicado que eles para resgatar uma vida a que deram origem?" Os pais, contudo, por mais pesarosos que estivessem ante a iminência de perder o filho, não atendiam ao apelo para salvá-lo. Então, Alcestes, com admirável abnegação, ofereceu-se como substituta. Admeto, por mais amor que tivesse à vida, não desejava mantê-la a tal custo, mas não havia remédio. A condição imposta pelas Parcas fora satisfeita e o decreto era irrevogável. Alcestes adoeceu, ao passo que Admeto se restabelecia, e aproximava-se rapidamente da sepultura. Justamente nessa ocasião, Hércules chegou ao Palácio de Admeto e encontrou todos os moradores pesarosíssimos, ante a iminência da morte da dedicada esposa e querida senhora. Hércules, para quem não havia trabalho bastante árduo, resolveu tentar salvar a rainha. Ficou na porta do seu quarto e, quando a Morte chegou à procura de sua presa, agarrou-a e obrigou-a a desistir de sua vítima. Alcestes restabeleceu-se e foi restituída ao marido.

Milton faz alusão a Alcestes em seu "Soneto sobre a esposa morta":

Tive a impressão de ver minha esposa querida
Voltando a consolar a minha desventura,
Como Alcestes também roubada a sepultura
Pelo filho de Jove, pálida e abatida

ANTÍGONA.

O sexo feminino desempenha importante papel na mitologia grega, quer quanto ao número de personalidades interessantes, quer pelo valor dos atos praticados. Antígona foi um exemplo tão belo de amor filial e fraternal quanto Alcestes de amor conjugai. Era filha de Édipo e Jocasta, que, com todos os seus descendentes, foram vítimas de um destino inelutável, que os condenou à destruição. Em seus acessos de loucura, Édipo arrancara os olhos e foi expulso de seu reino, Tebas, temido e abandonado por todos os homens, como objeto da vingança dos deuses. Antígona, sua filha, compartilhou sozinha de suas peregrinações e ficou com ele até sua morte, regressando, então, a Tebas. Seus irmãos, Etéocles e Polinice, haviam combinado dividir o reino entre si e reinarem alternadamente, cada um durante um ano. O primeiro ano coube a Etéocles, que, quando expirou o prazo, negou-se a entregar o reino ao irmão. Polinice fugiu para junto de Adrastos, Rei de Argos, que lhe deu sua filha em casamento e ajudou-o, com um exército, a sustentar sua pretensão ao trono. Isso acarretou a famosa expedição dos "Sete Contra Tebas", que deu muito assunto aos poetas épicos e trágicos da Grécia. Anfiarus, cunhado de Adrastos, opôs-se à empresa, pois era vidente e sabia, graças à sua arte, que nenhum dos chefes, com exceção de Adrastos, voltaria vivo. Contudo, Anfiarus, quando se casara com Erifila, irmã do rei, concordara que qualquer divergência surgida entre ele e Adrastos seria resolvida por Erifila. Sabendo disso, Polinice deu a Erifila o colar de Harmonia, conquistando-a, desse modo, para a sua causa. Esse colar fora um presente que Vulcano oferecera a Harmonia, quando essa se casou com Cadmo, e Polinice levara-o consigo, ao fugir de Tebas. Erifila não pôde resistir à tentação do suborno e, graças à sua decisão, a guerra se tornou inevitável e Anfiarus foi condenado a um destino fatal. Ele participou valentemente da luta, mas não pôde evitar a fatalidade de seu destino. Perseguido pelo inimigo, fugia ao longo do rio quando um raio lançado por Júpiter abriu a terra e ele, seu carro e o cocheiro foram tragados. Não haveria espaço aqui para descrever todos os atos de heroísmo ou atrocidade que assinalaram a luta; não devemos, contudo, omitir a fidelidade de Evadne, em contraste com a fraqueza de Erifila. Capaneu, marido de Evadne, no ardor do combate, afirmou que abriria caminho até a cidade, a despeito do próprio Jove. Encostou uma escada na muralha e subiu, mas Júpiter, ofendido com suas palavras impiedosas, fulminou-o com um raio. Quando seu funeral foi celebrado, Evadne atirou-se à pira e morreu. No começo da luta, Etéocles consultou o adivinho Tirésias sobre o seu desenrolar (Tirésias, em sua juventude, vira, por acaso, Minerva se banhando. Furiosa, a deusa privou-o da visão, porém mais tarde, abrandando-se, concedeu-lhe, como compensação, o conhecimento dos acontecimentos futuros), que declarou que a vitória caberia a Tebas, se Menoceu, filho de Créon, se oferecesse como vítima voluntária. Ao saber disso, o heróico jovem sacrificou a vida, no primeiro encontro. O sítio continuou, com alternativas de vitórias e derrotas para os dois lados. Finalmente, concordou-se que os irmãos decidissem a disputa em um combate singular. Os dois lutaram e ambos morreram. Os exércitos, então, reiniciaram a luta e afinal os invasores foram obrigados a ceder e fugiram, deixando seus mortos insepultos. Créon, tio dos dois príncipes mortos, tornou-se rei e mandou enterrar Etéocles com todas as honras, mas deixou o corpo de Polinice onde caíra, proibindo, sob pena de morte, que alguém o enterrasse. Antígona, a irmã de Polinice, ficou indignada, ao ter notícia do revoltante edito que entregara o corpo do irmão aos cães e aos abutres, privando-o dos ritos que eram considerados essenciais ao repouso dos mortos. Sem se deixar abalar pelos conselhos de uma irmã afetuosa, mas tímida, resolveu desafiar a sorte e enterrar o corpo com suas próprias mãos. Foi presa enquanto fazia isso e Créon deu ordens para que a enterrassem viva por haver desobedecido deliberadamente um edito solene da cidade. Seu amante, Hêmon, filho de Créon, incapaz de salvá-la, não lhe sobreviveu, suicidando-se. Antígona é assunto de duas belas tragédias do poeta grego Sófocles. A Sra. Jameson, no livro Caracteres das Mulheres, compara seu caráter ao de Cordélia, do Rei Lear, de Shakespeare. A seguinte passagem de Sófocles refere-se às lamentações de Antígona, quando a morte afinal livra Édipo de seus sofrimentos:

Como haveria de querer a vida?
O próprio sofrimento menos duro
Era ao seu lado. O que era insuportável
Junto dele eu teria tolerado.
Oh meu querido pai! Na sepultura
Como estás e tão velho como estavas,
Quero-te ainda e hei de querer-te sempre.

PENÉLOPE

Penélope é outra dessas heroínas míticas, cuja beleza é mais do caráter e da conduta que do corpo. Era filha de Icário, um príncipe espartano. Ulisses, Rei de Itaca, pediu-a em casamento e conquistou-a, entre todos os competidores. Quando chegou o momento em que a jovem esposa deveria deixar a casa paterna, Icário, não tolerando a idéia de separar-se da filha, tentou persuadi-la a permanecer ao seu lado e não acompanhar o marido a Itaca. Ulisses deixou a Penélope o critério da escolha e ela, em vez de responder, baixou o véu sobre o rosto. Icário não insistiu, mas, quando ela partiu, levantou uma estátua do Pudor no lugar onde se haviam separado. Ulisses e Penélope não haviam gozado sua união por mais de um ano, quando tiveram de interrompê-la, em virtude dos acontecimentos que levaram Ulisses à Guerra de Tróia. Durante sua longa ausência, e quando era duvidoso que ele ainda vivesse, e muito improvável que regressasse, Penélope foi importunada por inúmeros pretendentes, dos quais parecia não poder livrar-se senão escolhendo um deles para esposo. Penélope, contudo, lançou mão de todos os artifícios para ganhar tempo, ainda esperançosa no regresso de Ulisses. Um desses artifícios foi o de alegar que estava empenhada em tecer uma tela para o dossel funerário de Laertes, pai de seu marido, comprometendo-se em fazer sua escolha entre os pretendentes quando a obra estivesse pronta. Durante o dia, trabalhava nela, mas, à noite, desfazia o trabalho feito. E a famosa tela de Penélope, que passou a ser uma expressão proverbial, para designar qualquer coisa que está sempre sendo feita mas não se acaba de fazer. O resto da história de Penélope será contado quando narrarmos as aventuras de seu marido.

A Mitologia Grega - As Divindades Aquáticas.




Oceano e Tétis eram os titãs que governavam os elementos líquidos. Quando Jove e seus irmãos derrotaram os titãs e assumiram seu poder, Netuno e Anfitrite sucederam-se a Oceano e Tétis no domínio das águas.

NETUNO

Netuno era a principal das divindades da água. O símbolo do seu poder era o tridente, ou lança de três pontas, que usava para abalar os rochedos, desencadear ou amainar as tempestades, sacudir as costas e outras coisas semelhantes. Criou o cavalo e era o padroeiro das corridas eqüestres. Seus próprios cavalos tinham patas de bronze e crinas de ouro. Puxavam seu carro sobre o mar, que se acalmava diante do deus, enquanto os monstros das profundidades brincavam em seu caminho.

ANFITRITE

Anfitrite era esposa de Netuno, filha de Nereu e Dóris e mãe de Tritão. Para fazer a corte a Anfitrite, Netuno cavalgava um delfim, que foi colocado pelo deus entre as estrelas, quando conquistou o amor da deusa.

NEREU E DÓRIS

Nereu e Dóris eram os pais das Nereidas, as mais celebradas das quais foram Anfitrite, Tétis, mãe de Aquiles, e Galatéia, que foi amada pelo ciclope Polifemo. Nereu distinguia-se por sua sabedoria e por seu amor pela verdade e pela justiça, pelo que era chamado sábio. Também possuía o dom da profecia.

TRITÃO E PROTEU

Tritão era filho de Netuno e Anfitrite e os poetas o apresentavam como trombeteiro de seu pai. Também Proteu era filho de Netuno. Como Nereu, era considerado um sábio do mar por sua sabedoria e conhecimento dos acontecimentos futuros. Tinha o poder peculiar de mudar à vontade sua forma.

TÉTIS

Tétis, filha de Nereu e Dóris, era tão bela que o próprio Júpiter desejou desposá-la; tendo porém sabido pelo titã Prometeu que Tétis teria um filho maior que seu pai, Júpiter desistiu da idéia e determinou que Tétis fosse esposa de um mortal. Com a ajuda do centauro Quíron, Peleu conseguiu desposar a deusa e seu filho foi o renomado Aquiles. No capítulo em que tratarmos da Guerra de Tróia veremos que Tétis foi mãe dedicada, ajudando o filho em todas as suas dificuldades e velando por todos os seus interesses.

LEUCOTÉIA E PALÊMON

Ino, filha de Cadmo e esposa de Atamas, fugindo de seu furioso marido, com o filhinho Melicertes nos braços, caiu de um rochedo no mar. Os deuses, compadecidos, transformaram-na numa deusa marinha, com o nome de Leucotéia, e ao filho em um deus, com o nome de Palêmon. Ambos tinham o poder de salvar os homens de naufrágios e eram invocados pelos marinheiros. Palêmon geralmente era representado cavalgando um golfinho. Os Jogos Ístmicos eram celebrados em sua honra. Era chamado Portuno pelos romanos, e acreditava-se que governava os portos e as costas. Milton faz alusão a essas divindades, na última canção do "Comuns":

Atende, ninfa, o ardor que me consome.
Escuta e surge, do Oceano em nome.
Peço-te, ninfa, em nome de Nereu
Taciturno e de Tétis majestosa
E em nome das malícias de Proteu.
De Tristão pela concha sinuosa,
De Glauco pelas suas profecias,
De Leucotéia pelas mãos macias etc.

Armstrong, o poeta da "Arte de Conservar a Saúde", sob a inspiração de Higéia, deusa da Saúde, assim celebra as náiades:

A caminho da fonte vinde, Náiades!
Donzelas venturosas! Vossas prendas
Exaltar e cantar cumpre-me agora
(Assim Péon ordena, assim ordenam
Da saúde os princípios poderosos)
Exaltar vossas águas cristalinas,
O regatos gentis! Em vosso seio
Vida nova se bebe, quando matam
A sede as mãos em concha e os lábios secos.

Péon é um nome pelo qual são chamados tanto Apolo como Esculápio.

AS CAMENAS

Por este nome os latinos chamavam as Musas, mas incluindo, também, outras divindades, principalmente ninfas dos montes. Egéria era uma delas, e sua fonte e sua gruta ainda são mostradas até hoje. Conta-se que Numa, segundo Rei de Roma, era favorecido por essa ninfa com encontros secretos, durante os quais ela lhe dava lições de sabedoria e direito, que foram concretizadas nas instituições da jovem nação. Depois da morte de Numa, a ninfa definhou de pesar e transformou-se numa fonte.

OS VENTOS

Quando tantas forças menos ativas da natureza eram personificadas, não é de se admirar que os ventos o fossem. Eram: o Bóreas ou Aquilão, o vento norte; Zéfiro ou Favônio, o vento oeste; Nótus ou Áuster, o vento sul, e Euro, o vento leste. Os dois primeiros principalmente têm sido celebrados pelos poetas, o Aquilão pela sua rudeza e o Zéfiro pela sua doçura. Bóreas amava a ninfa Orítia, mas não conseguiu grande êxito como amante. Era-lhe difícil respirar delicadamente e suspirar estava, para ele, fora de cogitação. Cansado de tentativas inúteis, mostrou seu verdadeiro caráter, raptando a donzela. Foram seus filhos Zetes e Calais, guerreiros alados, que acompanharam a expedição dos Argonautas e prestaram bons serviços, no encontro com as aves monstruosas, as harpias. Zéfiro era amante de Flora. Milton faz alusão aos dois no Paraíso Perdido, quando descreve Adão, desperto, contemplando Eva, ainda adormecida:

... Erguendo-se de lado,
Inclinando-se um pouco, contemplou-a:
Desperta ou adormecida, a companheira
Pela sua beleza o dominava.
E chamou-a, então, com voz suave,
Como a de Zéfiro, quando Flora chama.
Tocando-lhe de leve, diz: "Acorda,
Minha esposa gentil, do Paraíso
Dom precioso, cada vez mais belo"


A Mitologia Grega - Reco.

NENHUMA IMAGEM ENCONTRADA.

As Hamadríades sabiam apreciar os serviços que lhes eram prestados tão bem quanto castigar as injúrias. A história de Reco é uma prova disto. Vendo um dia um carvalho que estava prestes a cair, Reco ordenou aos seus servos que o escorassem. A ninfa, que estava na iminência de morrer com a árvore, apareceu a Reco, exprimindo sua gratidão por ele ter lhe salvo a vida e pedindo-lhe para dizer que recompensa desejava. Ousadamente, Reco pediu seu amor e a ninfa curvou-se ao seu desejo. Ao mesmo tempo aconselhou-o a ser fiel e lhe disse que lhe enviaria uma abelha como mensageira, sempre que o admitisse em sua companhia. Certa vez, a abelha foi procurar Reco quando este estava jogando dados e, descuidadamente, ele afugentou o inseto. A ninfa irritou-se tanto que nunca mais permitiu que ele a visse.

A Mitologia Grega - Erishíchton.

NENHUMA IMAGEM ENCONTRADA.

Erisíchton era um homem grosseiro, que desprezava os deuses. Certa ocasião, resolveu profanar com o machado um bosque consagrado a Ceres. Ali erguia-se um venerável carvalho, tão grande que ele sozinho dava a impressão de uma floresta inteira. Em seu velho tronco, que dominava as outras árvores, freqüentemente eram colocadas guirlandas votivas e entalhadas inscrições manifestando gratidão à ninfa da árvore. Muitas vezes tinham as dríades dançado de mãos dadas em torno do carvalho. Seu tronco media quinze côvados de circunferência1 e sobrepujava as outras árvores como estas sobrepujavam os arbustos. Erisíchton, contudo, não viu motivos para poupá-lo e ordenou a seus servos que o cortassem. Ao vê-los hesitantes, arrebatou o machado das mãos de um deles e exclamou, impiedosamente: — Não quero saber se esta árvore é ou não amada pela deusa. Fosse ela própria uma deusa e eu a abateria se se interpusesse em meu caminho. Assim dizendo, ergueu o machado e o carvalho pareceu estremecer e dar um gemido. Quando a primeira machadada o atingiu, o tronco começou a deitar sangue pela ferida. Todos os circunstantes ficaram horrorizados e um deles aventurou-se a censurar e segurar o machado fatal. Com olhar de desprezo Erisíchton disse-lhe: — Recebe a recompensa de tua piedade! E voltou contra ele a arma que afastara da árvore, crivou-lhe o corpo de ferimentos e cortou-lhe a cabeça. Do meio do carvalho, veio então uma voz: — Eu que moro nesta árvore sou uma ninfa amada de Ceres e, morrendo por tuas mãos, predigo que o castigo te aguarda. Erisíchton não desistiu de seu crime e afinal a árvore, atingida por repetidos golpes e puxada por cordas, caiu com estrondo e esmagou sob o seu peso grande parte do bosque. As dríades, muito tristes com a morte de sua companheira e sentindo ultrajado o orgulho da floresta, dirigiram-se a Ceres, vestidas de luto e pediram que Erisíchton fosse castigado. A deusa acedeu ao pedido e, ao curvar a cabeça, também se inclinaram todas as espigas maduras para a colheita. Imaginou um castigo tão cruel que despertaria piedade, se acaso tal malvado merecesse piedade: entregá-lo à Fome. Como a própria Ceres não podia aproximar-se da Fome, pois as Parcas haviam ordenado que essas duas deusas jamais se encontrassem, chamou uma Oréade da montanha e assim lhe falou: — Há, na parte mais longínqua da gelada Cítia, uma região triste e estéril, sem árvores e sem campos cultivados. Ali moram o Frio, o Medo, o Tremor e a Fome. Vai àquela região e dize à última para tomar posse das entranhas de Erisíchton. Que a abundância não a vença, nem o poder de meus dons a afaste. Não te assustes com a distância — (pois a Fome mora muito longe de Ceres) —, mas toma meu carro; os dragões estão atrelados e são obedientes, e levar-te-ão através dos ares, em pouco tempo. Assim, a ninfa partiu e em breve atingiu a Cítia. Chegando ao Monte Cáucaso, parou os dragões e encontrou a Fome num campo pedregoso, arrancando a escassa erva com os dentes e as garras. Tinha os cabelos hirsutos, os olhos fundos, as faces pálidas, os lábios descorados, a boca coberta de poeira e a pele distendida, mostrando todos os ossos. Olhando-a de longe (pois não se atrevia a aproximar-se), a Oréade transmitiu as ordens de Ceres. E embora se tivesse detido o menor tempo possível e se mantido à maior distância que pôde, começou a sentir fome, e voltou à Tessália. A Fome obedeceu às ordens de Ceres e, avançando velozmente pelos ares até à morada de Erisíchton, entrou no quarto do criminoso, que encontrou adormecido. Envolveu-o com suas asas e penetrou ela própria pela sua respiração, destilando veneno por suas veias. Tendo executado sua missão, apressou-se em deixar a terra da fartura e voltou à sua costumeira desolação. Erisíchton ainda dormia, e em seus sonhos, ansiava por alimentos e movia a mandíbula, como se estivesse comendo. Ao acordar, a fome o devorava. A todo momento queria ter diante de si iguarias de qualquer espécie que produzissem a terra, o mar ou o ar, e queixava-se de fome, mesmo enquanto comia. Não lhe era suficiente o que teria sido bastante para uma cidade ou uma nação. Quanto mais comia, maior era sua fome. Era uma fome semelhante ao mar, que recebe todos os rios e, no entanto, não se enche, ou como o fogo que consome todo o combustível que tem junto de si e continua pronto a destruir outros. Seus bens diminuíram rapidamente em face das incessantes exigências de seu apetite, mas a fome continuava insaciada. Afinal gastou tudo o que tinha e restou-lhe apenas uma filha, uma filha que merecia um pai melhor. Vendeu-a também. Desesperada de ser escrava do comprador, a jovem, de pé junto ao mar, ergueu os braços, numa prece a Netuno. O deus ouviu suas súplicas e embora seu novo senhor não estivesse longe e a visse um momento antes, Netuno mudou-lhe a forma e fê-la assumir a de um pescador entregue à sua ocupação. Procurando-a, e vendo-a sob aquela nova forma, seu dono perguntou-lhe: — Bom pescador, aonde foi a donzela que vi agora mesmo, com os cabelos despenteados e pobremente vestida, de pé junto deste lugar onde estás? Dize-me a verdade e tua sorte será boa e nenhum peixe morderá hoje a isca e fugirá. A jovem percebeu que sua prece fora atendida e regozijou-se, intimamente, ao ver-se interrogada a respeito de si mesma. — Perdoa-me estrangeiro — respondeu —, mas estava tão ocupado com meu caniço e minha linha que nada vi. Possa eu contudo jamais pescar outro peixe se acredito que esteve por aqui, ainda há pouco, alguma mulher ou outra pessoa qualquer. O homem iludiu-se e continuou seu caminho, pensando que sua escrava fugira. Ela, então, reassumiu a forma. Seu pai ficou satisfeitíssimo ao vê-la ainda consigo, juntamente com o dinheiro resultante de sua venda; e tratou de vendê-la outra vez. A jovem, contudo, graças a Netuno, transformou-se tantas vezes quanto as que fora vendida; ora em um cavalo, ora em uma ave, ora em um boi, ora em um cervo. Assim, livrava-se dos compradores e voltava para casa. Por esse meio, o faminto pai conseguia alimento, mas não o suficiente para as suas necessidades, e, afinal, a fome o obrigou a devorar seus próprios membros e procurou destruir o corpo para alimentar esse mesmo corpo, até que a morte o libertou da vingança de Ceres.

A Mitologia Grega - As Divindades Rurais.



Pã, o deus dos bosques e dos campos, dos rebanhos e dos pastores, morava em grutas, vagava pelas montanhas e pelos vales e divertia-se caçando ou dirigindo as danças das ninfas. Era amante da música e, como vimos, o inventor da sírinx, ou avena, e que tocava magistralmente. Pã, como os outros deuses que habitavam as florestas, era temido por aqueles cujas ocupações os obrigavam a atravessar as matas durante a noite, pois as trevas e a solidão que reinavam em tais lugares predispunham os espíritos aos temores supersticiosos. Por isso, os pavores súbitos, desprovidos de qualquer causa aparente, eram atribuídos a Pã e chamados de terror pânico ou simplesmente de pânico. Como o nome do deus significa tudo, Pã passou a ser considerado símbolo do universo e personificação da natureza, e mais tarde, enfim, foi olhado como representante de todos os deuses e do próprio paganismo. Silvano e Fauno eram divindades latinas, cujas características são a tal ponto semelhantes às de Pã, que podem ser consideradas como a mesma personagem, sob nomes diferentes. As ninfas dos bosques, companheiras de Pã nas danças, constituíam apenas uma das classes das ninfas. Havia, além delas, as Náiades, que governavam os regatos e as fontes; as Oréades, ninfas das montanhas e grutas, e as Nereidas, ninfas do mar. As três últimas eram imortais, mas as ninfas dos bosques, chamadas Dríades ou Hamadríades, morriam, segundo se acreditava, com as árvores que lhes serviam de morada e juntamente com as quais nasciam. Constituía, portanto, uma impiedade destruir uma árvore e, em alguns casos graves, tal ato era severamente punido, como se deu no caso de Erisíchton, que relembraremos daqui a pouco. Milton, em sua bela descrição dos primórdios da criação, assim se refere a Pã, como personificação da natureza:

... o Pã universal,
Dançando junto às Graças e às Horas,
Comanda a sempiterna primavera.

E descrevendo a morada de Eva:

Em mais sombreado e protegido abrigo
Pã ou Silvano não dormiram, e as ninfas
E os faunos outro igual não visitaram.
Paraíso Perdido, Livro IV

Um aspecto sedutor do paganismo era o de creditar à iniciativa de uma divindade cada fenômeno da natureza. A imaginação dos gregos povoava todas as regiões da terra e do mar de divindades, a cuja diligência atribuíam os fenômenos que nossa filosofia considera como conseqüência das leis naturais. Às vezes, em nossos momentos de poesia, sentimo-nos inclinados a lamentar a mudança ocorrida, e a achar que, com a substituição, o coração perdeu tanto quanto o cérebro ganhou. O poeta Wordsworth manifesta, de maneira bem enérgica, tal sentimento.

Oxalá um pagão ainda eu fosse,
Por velhas ilusões acalentado.
A paisagem seria bem mais doce
E o mundo muito menos desolado.

Schiller, no poema "Die Götter Griechenlands", manifesta seu pesar pelo desaparecimento da bela mitologia dos velhos tempos, o que provocou uma resposta da poetisa cristã E. Barrett Browning, no poema "Pã é Morto", do qual fazem parte as duas seguintes estrofes:

Pela tua beleza que se curva
Ante maior Beleza que te vence,
Pelo nosso valor adivinhando
Entre tuas mentiras a Verdade,
Não te choramos! Dar-nos-á o mundo,
Depois do velho reino, outro reinado.
Pã é morto!

O mundo deixa além as fantasias
Que, em sua juventude, o embalaram
E as fábulas mais belas e mais vivas
Tolas parecem em face da verdade.
De Febo o carro terminou o curso!
Olhai de f ente o sol, olhai, poetas!
E Pã, e Pã é morto.

Estes versos baseiam-se numa velha tradição cristã, segundo a qual, quando o anjo avisou os pastores de Belém do nascimento de Cristo, um gemido profundo, ouvido através de toda a Grécia, anunciou que o grande Pã morrera e toda a realeza do Olimpo fora destronada, passando as divindades a vagar no frio e nas trevas. E o que Milton conta no "Hino à Natividade":

Pelas praias, além, pelas montanhas,
Triste como um gemido, ecoa um grito.
Por vales verdejantes, entre as folhas,
O gênio antigo suspirando foge,
Choram as ninfas nos bosques desoladas.

sábado, 14 de agosto de 2010

A Mitologia Grega - Castor e Pólux.


Castor e Pólux eram filhos de Leda e do cisne sob cujo disfarce Júpiter se escondeu. Leda deu nascimento a um ovo, que produziu os dois gêmeos. Helena, tão famosa devido à Guerra de Tróia, era sua irmã. Quando Teseu e seu amigo Pírito raptaram Helena, em Esparta, os jovens heróis Castor e Pólux saíram, imediatamente, com seus sequazes para libertá-la. Teseu não se encontrava na Ática e os gêmeos recuperaram a irmã. Castor era famoso como domador de cavalos e cavaleiro e Pólux, como lutador. Eram unidos por ardente afeição e inseparáveis em todos os seus feitos. Acompanharam a expedição dos Argonautas. Durante a viagem, irrompeu uma tempestade e Orfeu invocou os deuses da Samotrácia, tocando sua harpa. A tempestade cessou, então, e apareceram estrelas sobre a cabeça dos gêmeos. Devido a isso, Castor e Pólux passaram depois a ser considerados as divindades protetoras dos marinheiros e viajantes, e as chamas que, conforme o estado da atmosfera, costumam aparecer em torno das velas e dos mastros das embarcações receberam seus nomes. Depois da expedição dos Argonautas, encontramos Castor e Pólux empenhados numa guerra com Idas e Linceus. Castor foi morto e Pólux, inconsolável com a perda do irmão, pediu a Júpiter que lhe permitisse oferecer a sua própria vida pela do outro. Júpiter consentiu que os dois irmãos vivessem alternadamente, passando um dia na terra e outro na morada celestial. Segundo outra versão, Júpiter recompensou a afeição dos irmãos, colocando-os entre as estrelas, como Gemini, os Gêmeos. Os dois receberam honras divinas sob o nome de Dioscuros (filhos de Jove). Acreditava-se que apareciam, às vezes mais tarde, participando de combates, de um ou outro lado, cavalgando magníficos cavalos brancos. Na história dos primeiros tempos de Roma, por exemplo, dizia-se que eles ajudaram os romanos na batalha do Lago Regilo, e, depois da vitória, foi erguido um templo em sua honra, no local onde apareceram.
Macaulay, em seus "Cantos da Roma Antiga", assim se refere à lenda:

Tão semelhantes eram, que os mortais
Um do outro jamais distinguiriam.
Tinham armaduras brancas como a neve
E brancos como a neve os seus corcéis.
Jamais forjas terrenas fabricaram
Tão brilhante armadura, ou em terrena
Fonte a sede matou corcel tão belo.
Volta em triunfo o chefe, que nas provas
Incertas do combate sempre vira
O calor dos irmãos inseparáveis.
Volta o navio ao porto, em segurança,
Desafiando o mar e as tempestades
Que a bordo estavam os poderosos gêmeos.

A Mitologia Grega - Dédalo.


O labirinto do qual Teseu escapou, graças ao fio de Ariadne, fora construído por Dédalo, um artífice habilidosíssimo. Era um edifício com inúmeros corredores tortuosos que davam uns para os outros e que pareciam não ter começo nem fim, como o Rio Meandro, que volta sobre si mesmo e ora segue para adiante, ora para trás, em seu curso para o mar. Dédalo construiu o labirinto para Minos, mas, depois, caiu no desagrado do rei e foi aprisionado em uma torre. Conseguiu fugir da prisão, mas não podia sair da ilha por mar, pois o rei mantinha severa vigilância sobre todos os barcos que partiam e não permitia que nenhuma embarcação zarpasse antes de rigorosamente revistada. "Minos pode vigiar a terra e o mar, mas não o ar" — disse Dédalo. "Tentarei esse caminho". Pôs-se, então, a fabricar asas para si mesmo e para seu jovem filho, Ícaro. Uniu as penas, começando das menores e acrescentando as maiores, de modo a formar uma superfície crescente. Prendeu as penas maiores com fios e as menores com cera e deu ao conjunto uma curvatura delicada, como as asas das aves. O menino Ícaro, de pé, ao seu lado, contemplava o trabalho, ora correndo para ir apanhar as penas que o vento levava, ora modelando a cera com os dedos e prejudicando, com seus folguedos, o trabalho do pai. Quando, afinal, o trabalho foi terminado, o artista, agitando as asas, viu-se flutuando e equilibrando-se no ar. Em seguida, equipou o filho da mesma maneira e ensinou-o a voar, como a ave ensina ao filhote, lançando-o ao ar, do elevado ninho. — Ícaro, meu filho — disse, quando tudo ficou pronto para o vôo —, recomendo-te que voes a uma altura moderada, pois, se voares muito baixo, a umidade emperrará tuas asas e, se voares muito alto, o calor as derreterá. Conserva-te perto de mim e estarás em segurança.
Enquanto dava essas instruções e ajustava as asas aos ombros do filho, Dédalo tinha o rosto coberto de lágrimas e suas mãos tremiam. Beijou o menino, sem saber que era pela última vez, depois, elevando-se em suas asas, voou, encorajando o filho a fazer o mesmo e olhando para trás, a fim de ver como o menino manejava as asas. Ao ver os dois voarem, o lavrador parava o trabalho para contemplá-los e o pastor apoiava-se no cajado, voltando os olhos para o ar, atônitos ante o que viam, e julgando que eram deuses aqueles que conseguiam cortar o ar de tal modo. Os dois haviam deixado Samos e Delos à esquerda e Lebintos à direita, quando o rapazinho, exultante com o vôo, começou a abandonar a direção do companheiro e a elevar-se para alcançar o céu. A proximidade do ardente sol amoleceu a cera que prendia as penas e estas desprenderam-se. O jovem agitava os braços, mas já não havia penas para sustentá-lo no ar. Lançando gritos dirigidos ao pai, mergulhou nas águas azuis do mar que, daquele dia em diante, recebeu o seu nome. — Ícaro, Ícaro, onde estás? — gritou o pai. Afinal, viu as penas flutuando na água e, amargamente, lamentando a própria arte, enterrou o corpo e denominou a região Icária, em memória do filho. Dédalo chegou são e salvo à Sicília, onde ergueu um templo a Apolo, lá depositando as asas, que ofereceu ao deus. Dédalo tinha tanta vaidade com suas realizações, que não tolerava a idéia de um rival. Sua irmã entregou aos seus cuidados um filho, Pérdix, a fim de aprender as artes mecânicas. O jovem era um bom aluno e deu provas de notável habilidade. Caminhando, certa vez, na praia, encontrou uma espinha de peixe. Imitou-a com um pedaço de ferro, que chanfrou na borda, inventando, assim, a serra. Uniu dois pedaços de ferro, prendendo-os na extremidade com um rebite e aguçando as duas outras extremidades, e construiu um compasso. Dédalo teve tanta inveja das invenções do sobrinho que, quando os dois se encontravam juntos, certo dia, no alto de uma torre muito elevada, atirou-o para fora. Minerva, que protege a habilidade, viu-o cair e evitou sua morte, transformando-o numa ave, que recebeu seu nome, a perdiz. Essa ave não constrói seu ninho nas árvores nem voa alto, acomodando-se nas sebes e, lembrando-se da queda, evita os lugares elevados.

A Mitologia Grega - As Olimpíadas e outros jogos.


Não parece fora de propósito mencionar aqui os outros jogos nacionais que eram realizados na Grécia. Em primeiro lugar, havia os Jogos Olímpicos ou Olimpíadas, estabelecidas, segundo a tradição, pelo próprio Júpiter, e se realizavam em Olímpia, na Elida. Acorriam inúmeros espectadores, de todas as partes da Grécia, bem como da Ásia, África e Sicília. Os jogos realizavam-se no verão, de cinco em cinco anos, e duravam cinco dias. As Olimpíadas serviam, ainda, para marcar o tempo no calendário. A primeira Olimpíada realizou-se, segundo se acredita, no ano 776 a.C. Os Jogos Píticos eram realizados nas vizinhanças de Delfos; os Jogos Ístmicos, no Istmo de Corinto e os Nemeus em Neméia, cidade da Argólida. Havia cinco espécies de exercícios nesses jogos: corrida, saltos, luta, lançamento de disco e lançamento de dardo. Além dos exercícios para mostrar agilidade e força corporal havia concurso de música, poesia e eloqüência. Desse modo, os jogos ofereciam aos poetas, músicos e escritores a melhor oportunidade de apresentar suas produções ao público, e a fama dos vencedores espalhava-se amplamente.

A Mitologia Grega - Hebe e Ganimedes.


Hebe, filha de Juno e deusa da juventude, era copeira dos deuses, a quem servia o néctar. De acordo com a versão mais comum, deixou tal serviço quando se tornou esposa de Hércules. Há uma outra versão, contudo, seguida pelo escultor norte-americano Crawford, em seu grupo de Hebe e Ganimedes, de acordo com a qual Hebe foi afastada de suas funções em conseqüência de uma queda que deu um dia, quando servia aos deuses. Seu sucessor foi Ganimedes, jovem troiano, que Júpiter, sob o disfarce de uma águia, raptou enquanto se achava no meio de seus companheiros de folguedo, no Monte Ida, e levou ao céu, colocando-o no lugar vago. Tennyson, em seu "Palácio da Arte", descreve, entre as decorações das paredes, um quadro representando essa lenda:

De Ganimedes o rosado vulto,
Pelas asas da águia mais oculto,
Sobre o espaço solitário vinha,
Qual estrela no céu clara e sozinha.

E, no "Prometeu" de Shelley, Júpiter assim se dirige ao seu copeiro:

Serve o vinho celeste, Ganimedes,
E deixa-o encher as taças como o fogo.

A Mitologia Grega - Meléagro e Atalanta [PARTE 2/2]

ATALANTA

A causa inocente de tantos pesares era uma jovem cujo rosto poder-se-ia dizer, com segurança, que era muito masculino para uma mulher e, ao mesmo tempo, muito feminino para um homem. Seu destino fora revelado e era neste sentido: "Não te cases, Atalanta; o casamento será tua ruína. Atemorizada com esse oráculo, a jovem fugiu da companhia dos homens e dedicou-se aos exercícios corporais e à caça. A todos os pretendentes (pois tinha muitos) impunha uma condição que, em via de regra, a livrava da perseguição: — Darei o prêmio àquele que vencer-me numa corrida, mas a morte será o castigo do que tentar e falhar. A despeito dessa séria condição, alguns se arriscaram. Hipômenes deveria ser o juiz da corrida.
— Será possível que alguém seja tão louco a ponto de se arriscar desse modo para conquistar uma esposa? — disse ele. Mas, quando viu Atalanta tirar as vestes, para a corrida, mudou de opinião, e exclamou: — Perdoai-me, jovens. Não sabia qual era o prêmio que iríeis disputar. E, ao contemplá-los, desejava que todos fossem derrotados e enchia-se de inveja daqueles que pareciam capazes de vencer. Enquanto se entregava a tais pensamentos, a virgem começou a correr e, correndo, era ainda mais bela do que sempre. A brisa parecia dar-lhe asas aos pés; os cabelos agitavam-se sobre os ombros e a vistosa fímbria de suas vestes flutuava atrás dela. Um rubor coloria-lhe a alvura da cútis, como a sombra de uma cortina carmesim sobre uma parede de mármore. Todos os concorrentes ficaram distanciados e foram mortos impiedosamente. Hipômenes, sem assustar-se com esse resultado, disse, fixando os olhos na virgem: — Por que te vanglorias de vencer esses lerdos? Ofereço-me para a disputa. Atalanta olhou-o com piedade, sem saber se deveria vencer a corrida ou não. "Que deus pode tentar um homem tão jovem e tão belo a se arriscar tanto?" — pensou. "Tenho pena dele, não por causa de sua beleza (embora ele seja belo), mas por causa de sua mocidade. Quisera que ele desistisse da corrida, ou, se for tão louco para insistir, que me vencesse." Enquanto hesita, entregue a esses pensamentos, os espectadores se impacientam e seu pai a convida a preparar-se. Hipômenes, então, dirige uma prece a Vênus: — Ajuda-me, Vênus, pois foste tu que me impeliste. Vênus ouviu a prece e mostrou-se benevolente. No jardim de seu templo, na ilha de Chipre, há uma árvore de folhas e ramos amarelos, e frutos de ouro. Ali ela colheu três frutos e, sem ser vista por qualquer outra pessoa, entregou-os a Hipômenes e ensinou-lhe como usá-los. O sinal foi dado. Os dois corredores partem, avançando sobre a areia. Avançavam com tanta leveza que dir-se-ia que corriam sobre a superfície de um rio ou sobre as ondas, sem se afundarem. Os gritos dos espectadores animavam Hipômenes:
— Sus, sus, ânimo! Avança, avança! Tu a vencerás! Não descanses! Mais um esforço! Não se podia saber se era o jovem ou a donzela que ouvia estas palavras com maior prazer. Hipômenes, contudo, começou a respirar com dificuldade; sentia a garganta seca e a meta ainda estava longe. Naquele momento, ele largou uma das maças de ouro. A virgem, admirada, parou para apanhá-la. Hipômenes ganhou a dianteira. Ouviram-se gritos de todos os lados. Atalanta redobrou os esforços e, dentro em pouco, alcançou o adversário. De novo ele largou uma maçã; a donzela tornou a parar, porém mais uma vez alcançou Hipômenes. A meta estava próxima; restava apenas uma oportunidade. — Faze frutificar tua dádiva, ó deusa! — exclamou o jovem, atirando para um lado a última maçã. Atalanta olhou indecisa; Vênus impeliu-a a olhar para o lado. Ela assim fez, e foi vencida. Hipômenes conquistou o prêmio. Os amantes, contudo, ficaram tão preocupados com a própria felicidade que se esqueceram de render a Vênus as devidas homenagens, e a deusa irritou-se com sua ingratidão. Levou-os, então, a ofender Cibele. Essa deusa poderosa não era ofendida impunemente. Tirou dos dois a forma humana, transformando-os em animais de hábitos semelhantes aos seus próprios: a caçadora-heroína, que triunfava graças ao sangue de seus amantes, foi transformada em leoa, e seu amante transformado em leão, e ambos foram atrelados ao carro da deusa, onde ainda podem ser vistos em todas as suas representações, na escultura e na pintura. Cibele era o nome latino da deusa chamada pelos gregos de Réia ou Ops. Era esposa de Cronos e mãe de Zeus. Nas obras-de-arte, apresenta um ar de matrona, que a distingue de Juno e Ceres. Às vezes, apresenta-se coberta com um véu, sentada num trono, com leões ao seu lado, outras vezes guiando um carro puxado por leões. Usa uma coroa, cuja orla é recortada em forma de torres e ameias. Seus sacerdotes eram chamados coribantes. Descrevendo a cidade de Veneza, construída numa ilha rasa do Adriático, Byron faz uma comparação com Cibele:

Qual Cibele marinha, do oceano
Se ergue, pela tiara coroada
Das torres majestosas, imponentes.

Moore, referindo-se à paisagem alpina, faz alusão ao episódio de Atalanta e Hipômenes:

Mesmo aqui, nesta cena portentosa
Muito na frente da Verdade avança
A Fantasia, ou bem, como Hipômenes,
Esta aquela distrai, desorienta,
Com as ilusões douradas que alimenta.

A Mitologia Grega - Meléagro e Atalanta [PARTE 1/2]


MELÉAGRO


Um dos heróis da expedição dos argonautas foi Meléagro, filho de Eneus e Altéia, rei e rainha de Cálidon. Quando seu filho nasceu, Altéia viu as três Parcas, que, enquanto teciam o fio fatal, previram que a vida da criança não duraria mais que uma acha de lenha que estava sendo queimada no fogão. Altéia pegou a acha, apagou-a e conservou-a, cuidadosamente, durante anos, enquanto Meléagro atravessava a infância, a adolescência e a virilidade. Ora, aconteceu, então, que Eneus, ao oferecer sacrifícios aos deuses, esqueceu-se de prestar as honras devidas a Diana, e esta, indignada, mandou um enorme javali flagelar os campos de Cálidon. Os olhos do animal lançavam chispas de fogo, suas cerdas pareciam chuços pontiagudos e seus dentes eram como as presas dos elefantes da Índia. O javali devastou os trigais, as vinhas e as oliveiras, e, com suas matanças, dispersou e confundiu os rebanhos. Todos os recursos comuns foram inúteis, mas Meléagro convocou os heróis da Grécia para caçarem, juntos, o malfazejo monstro. Teseu e seu amigo Píritos; Jasão, Peleu, que seria mais tarde pai de Aquiles; Télamon, pai de Ajax; Nestor, então jovem, mas que, depois de velho, lutaria ao lado de Aquiles e Ajax, na Guerra de Tróia, estavam entre os muitos que participaram da expedição. Com eles encontrava-se Atalanta, filha de Iásio, rei da Arcádia. Uma fivela de ouro polido prendia-lhe a veste, uma aljava de marfim pendia-lhe do ombro esquerdo e com a mão esquerda carregava o arco. Em seu rosto, a beleza feminina combinava-se com as graças da juventude marcial. Ao vê-la, Meléagro amou-a. Os jovens heróis já se encontravam, porém, perto do covil do monstro. Estenderam redes de árvore em árvore, soltaram os cães e procuraram encontrar na relva as pegadas da fera. Havia um bosque que descia até um terreno pantanoso. Ali o javali, escondido entre os juncos, ouviu os gritos de seus perseguidores e investiu contra eles. Um ou outro foi derrubado e morto. Jasão lançou seu dardo, dirigindo uma prece a Diana, para ser bem-sucedido; a deusa permitiu que a arma tocasse o animal, mas não o matasse, afastando a ponta de ferro do dardo enquanto este cortava o ar. Nestor, atacado pela fera, procura e encontra salvação nos galhos de uma árvore. Télamon investe, mas, tropeçando numa raiz saliente, cai de bruços. Finalmente, porém, uma seta desfechada por Atalanta derrama, pela primeira vez, o sangue do monstro. E um ferimento leve, mas Meléagro o vê e o anuncia, alegremente. Anceu, invejoso do louvor feito a uma mulher, proclama em voz alta o próprio valor e desafia, ao mesmo tempo, o javali e a deusa que o enviara; ao avançar, porém, a fera enfurecida derrubou-o, mortalmente ferido. Teseu atira sua lança, que é desviada, porém, por um galho de árvore. O dardo de Jasão erra o alvo e, em vez do javali, mata um de seus próprios cães. Meléagro, contudo, depois de golpes infrutíferos, crava a lança no flanco do monstro e o acaba matando, com repetidas cutiladas. Gritos de aclamação erguem-se em torno; todos congratulam-se com o autor da façanha, rodeando-o para cumprimentá-lo. Ele, pondo o pé sobre o javali, volta-se para Atalanta e oferece-lhe a cabeça e a pele do animal, que eram os troféus do seu sucesso. A inveja, no entanto, levou o resto dos caçadores à luta. Pléxipo e Toxeu, irmãos da mãe de Meléagro, além dos demais, opõem-se ao presente e arrebatam das mãos da donzela o troféu que ela havia recebido. Meléagro, furioso com o que lhe haviam feito, e mais ainda com a ofensa feita àquela que amava, esquece-se dos deveres de parentesco e crava a espada no coração de ambos os ofensores. Quando Altéia conduzia aos templos oferendas de agradecimento pela vitória do filho, vê os corpos dos irmãos assassinados. Tremendo, esmurra o peito e corre a mudar as vestes de regozijo pelas de luto. Vindo, porém, a saber quem foi o autor do feito, a dor cede lugar a um duro desejo de vingança contra o próprio filho. Pega a acha de lenha que outrora retirara das chamas, e à qual estava presa a vida de Meléagro, e ordena que se acenda um fogo. Então, por quatro vezes tenta colocar a acha na fogueira, e quatro vezes recua, estremecendo à idéia de provocar a morte do próprio filho. Os sentimentos de mãe e de irmã lutam dentro dela. Ora empalidece, com a idéia do que poderia ocorrer, ora seu rosto se congestiona, enraivecida com o que fizera o filho. Como um barco empurrado numa direção pelo vento e noutra direção pelas ondas, o espírito de Altéia é presa da dúvida. Agora, porém, a irmã prevalece sobre a mãe e ela exclama, segurando a acha fatal: Voltai-vos, Fúrias, deusas do castigo! Voltai-vos, para contemplardes o sacrifício que faço! O crime clama por crime. Deverá Eneus regozijar-se com seu filho vitorioso, enquanto a casa de Testius está desolada? Mas, ah! A que ação sou levada? Irmãos, perdoai a fraqueza de uma mãe. Minhas mãos traem-me. Ele merece a morte, mas não que eu o mate. Deverá, contudo, viver, triunfar e reinar sobre Cálidon, enquanto vós, meus irmãos, vagareis entre as sombras, não vingados? Não! Viveste graças a mim. Morre, agora, por teu próprio crime! Devolve a vida que duas vezes te dei, primeiro pelo nascimento, depois, quando retirei esta acha de lenha do fogo. Ah! Triste vitória é esta que conquistais, meus irmãos, mas conquistai-a! E, virando o rosto, atirou a madeira fatal às chamas crepitantes. Estas deram, ou pareceram dar, um gemido profundo. Meléagro, ausente, sem conhecer a causa, sentiu uma dor repentina. Sente queimar-se e apenas graças à sua coragem consegue vencer a dor que o destrói. Lamenta apenas perecer de uma morte incruenta e sem honra. Com o último suspiro, chama seu velho pai, seu irmão, suas queridas irmãs, sua amada Atalanta e sua mãe, a causa desconhecida de sua morte. As chamas aumentam e, com elas, o sofrimento do herói. Depois, ambos diminuem e desaparecem. A madeira transforma-se em cinzas e a vida de Meléagro perde-se entre os ventos. Consumado o ato, Altéia voltou contra si mesma as mãos violentas. As irmãs de Meléagro choraram o irmão desesperadamente, até que Diana, apiedando-se da casa a que levara tantos dissabores, transformou-as em aves.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

A Mitologia Grega - Medéia.



Entre o regozijo pela recuperação do Velocino de Ouro, Jasão achou que faltava alguma coisa: a presença de seu pai, Esão, impedido de participar das festividades por estar velho e enfermo. — Minha esposa — disse ele a Medéia —, poderiam tuas artes, cujo valor comprovei em meu proveito, prestar-me mais um serviço, tirando alguns anos de minha vida para acrescentar à vida de meu pai? — Isso não será feito a tal custo, mas, se minha arte ajudar-me, a vida de teu pai será aumentada, sem que se abrevie a tua — replicou Medéia. Na primeira noite de lua cheia, ela saiu sozinha, enquanto todas as criaturas dormiam. Nem o melhor sopro de vento agitava as folhagens, e tudo estava quieto. Ela dirigiu seus encantamentos à lua e às estrelas; a Hécate,1 a deusa do mundo dos mortos, e a Télus, deusa da terra, cujo poder é capaz de produzir as plantas eficazes para o encantamento. Invocou os deuses dos bosques e das cavernas, das montanhas e dos vales, dos lagos e dos rios, dos ventos e dos vapores. Enquanto falava, as estrelas brilhavam com mais intensidade e, de súbito, um carro desceu pelo espaço, puxado por serpentes voadoras. Medéia nele subiu e, elevando-se, viajou para regiões distantes, onde cresciam plantas eficazes, as quais sabia como escolher para o fim visado. Empregou nove noites nessa busca, e, durante esse tempo, não voltou ao interior de seu palácio, nem ficou sob qualquer teto e evitou todo contato com os mortais. Em seguida, ergueu dois altares, um para Hécate, outro para Hebe, a deusa da juventude, e sacrificou um carneiro negro, espalhando libações de leite e de vinho. Implorou a Plutão e sua raptada esposa que não se apressassem em tirar a vida do velho. Em seguida, fez com que Esão fosse trazido até junto dela e, tendo-o feito dormir profundamente com seus encantamentos, deixou-o estendido num leito de ervas, como um morto. Jasão e os outros foram mantidos afastados do local, a fim de que olhos de profanos não pudessem contemplar os mistérios. Depois, com os cabelos soltos, fez três vezes a volta dos altares, atirando ao sangue achas em chamas e deixou-as queimarem-se ali. Enquanto isso, colocava num caldeirão ervas mágicas, com sementes e flores de suco acre, pedras do longínquo Oriente e areia da praia do oceano que rodeia todas as terras; alva geada colhida ao luar, a cabeça e as asas de uma coruja e as entranhas de um lobo. Ajuntou fragmentos do casco de tartarugas e fígado de veado — animais vivedouros — e a cabeça e o bico de um corvo, que sobrevive nove gerações de homens. Tudo isso, com muitas outras coisas "sem nome", ela cozinhou, mexendo-as com um galho seco de oliveira. E, milagre!, quando retirado, o galho imediatamente tornou-se verde e, dentro em pouco, cobriu-se de folhas e de oliveiras novas. E, enquanto o líquido fervia e borbulhava, a relva, para onde, às vezes, escorria um pouco dele, adquiria um verdor semelhante ao da primavera. Vendo que tudo estava pronto, Medéia cortou o pescoço do velho, retirou todo o seu sangue, e despejou, pela boca e pelo ferimento, o conteúdo do caldeirão. Logo que esse conteúdo o embebeu completamente, os cabelos e a barba de Esão perderam sua brancura e retomaram o negrume da mocidade; a palidez e a magreza desapareceram; suas veias ficaram repletas de sangue e seus membros de vigor e robustez. O próprio Esão sente-se maravilhado, e lembra-se de que, tal como está agora, era em sua mocidade há quarenta anos. Nesse caso, Medéia usou suas artes para uma finalidade louvável, mas não em outra circunstância, em que as tornou instrumento da vingança. Pélias, como os leitores devem se lembrar, tio de Jasão, usurpara o trono. Devia, no entanto, ter algumas boas qualidades, pois suas filhas o amavam e, quando viram o que Medéia fizera por Esão, quiseram que fizesse o mesmo para seu pai. Medéia fingiu concordar e preparou o caldeirão, como antes. A seu pedido, foi trazido um velho carneiro e mergulhado no caldeirão. Dentro em pouco, ouviu-se um balido dentro da vasilha e, quando sua tampa foi levantada, saltou de dentro um cordeiro, que se pôs a correr pelo campo. As filhas de Pélias assistiram deleitadas à experiência e marcaram uma ocasião para seu pai ser submetido ao mesmo tratamento. Medéia, contudo, preparara para ele o caldeirão de modo diferente, colocando apenas água e algumas ervas comuns. De noite, ela, em companhia das irmãs, entrou no quarto do velho rei, que, juntamente com seus guardas, dormia profundamente, sob a influência de um encantamento da própria Medéia. As filhas ficaram junto do leito, com as armas desembainhadas, mas hesitando em usá-las, até que Medéia censurou sua irresolução. Então, virando o rosto, e desferindo punhaladas ao acaso, as jovens feriram o pai. Este, acordando de súbito, gritou: — Minhas filhas, o que estão fazendo? Ides matar vosso pai? As filhas perderam a coragem e atiraram fora suas armas, mas Medéia desferiu-lhe o golpe de misericórdia, fazendo calar Pélias. Em seguida, o velho foi colocado no caldeirão, e Medéia apressou-se em partir, em seu carro puxado por serpentes, antes que fosse descoberta sua traição, pois a vingança das filhas deveria ser terrível. Conseguiu fugir, mas pouco gozou dos frutos de seu crime. Jasão, por quem tanto ela fizera, repudiou-a, para casar-se com Crusa, princesa de Corinto. Furiosa com essa ingratidão, Medéia invocou os deuses, pedindo vingança, mandou um vestido envenenado à noiva como presente de casamento e, depois de ter matado os próprios filhos e incendiado o palácio, subiu ao carro puxado por serpentes e fugiu para Atenas, onde se casou com o Rei Egeu, pai de Teseu. Teremos de novo notícias dela, quando tratarmos das aventuras daquele herói.
Os encantamentos de Medéia farão o leitor recordar-se das feiticeiras de Macbeth. Os versos seguintes são os que parecem relembrar mais vivamente o velho modelo:

Em torno ao caldeirão rodai, rodai,
Peçonhentas entranhas atirai.
Uma posta de carne de serpente
Fervei, cozei, no caldeirão bem quente.
Olho de salamandra e pé de sapo,
Língua de cão e pêlo de morcego,
Dente de cobra venenosa e suja,
Pé de lagarto e asa de coruja.


MACBETH Ato IV Cena I

E ainda:

Macbeth — Que fazeis?
Feiticeiras — Ação que não tem nome.


Há ainda outra versão sobre Medéia, revoltante demais mesmo para se referir a uma feiticeira, classe de gente a quem os poetas, tanto antigos como modernos, acostumaram-se a atribuir a maior malvadez. Em sua fuga da Cólquida, ela havia levado consigo seu jovem irmão Absirto. Ao perceber que os navios de Etes que perseguiam os argonautas os estavam quase alcançando, Medéia mandou esquartejar o irmão e atirar seus membros ao mar. Etes, ao chegar ao local, encontrou os dolorosos restos do filho assassinado; mas, enquanto parava para recolhê-los e dar-lhes um destino honroso, os argonautas puderam escapar.

A Mitologia Grega - O Velocino de Ouro.




Há muitos e muitos anos, viviam na Tessália, um rei e uma rainha, chamados Atamas e Nefele, que tinham dois filhos, um menino e uma menina. Depois de um certo tempo, Atamas enfarou da esposa, expulsou-a e casou-se com outra mulher. Nefele, receosa de que os filhos corressem perigo, em vista da influência da madrasta, tratou de livrá-los desse perigo. Mercúrio ajudou-a e deu-lhe um carneiro com velocino de ouro, no qual Nefele colocou as duas crianças, certa de que o carneiro as levaria a um lugar seguro. O carneiro elevou-se no ar com as duas crianças nas costas, tomando o rumo do nascente, até que, ao passar sobre o estreito que separa a Europa da Ásia, a menina, cujo nome era Heles, caiu no mar, que passou a ser chamado Helesponto, hoje Dardanelos. O carneiro continuou a viagem, até chegar ao reino da Cólquida, na costa oriental do Mar Negro, onde depositou são e salvo o menino, Frixo, que foi hospitaleiramente recebido pelo rei do país, Etes. Frixo sacrificou o carneiro a Júpiter e ofereceu a Etes o Velocino de Ouro, que foi posto numa gruta sagrada, sob a guarda de um dragão que não dormia. Havia na Tessália outro reino, perto do de Atamas, e governado por um parente seu. Cansado com os cuidados do governo, o Rei Esão passou a coroa a seu irmão Pélias, com a condição de que este a mantivesse apenas durante a menoridade de seu filho Jasão. Quando, chegando à idade conveniente, Jasão foi reclamar a coroa a seu tio, este fingiu-se disposto a entregá-la, mas, ao mesmo tempo, sugeriu ao jovem a gloriosa aventura de ir em busca do Velocino de Ouro, que se sabia estar no reino da Cólquida e que, segundo afirmava Pélias, era a legítima propriedade da família. Jasão acolheu a idéia e tratou logo de fazer os preparativos para a expedição. Naquele tempo, a única navegação conhecida pelos gregos era feita em pequenos botes ou canoas, feitos de troncos de árvores, de modo que, quando Jasão incumbiu Argos de construir uma embarcação capaz de transportar cinqüenta homens, o empreendimento foi considerado como gigantesco. Foi realizado, contudo, e o barco tomou o nome de "Argo", em homenagem ao seu construtor. Jasão convidou a participarem da empresa todos os jovens gregos amantes de aventuras, muitos dos quais tornaram-se depois conhecidos entre os heróis e semideuses da Grécia. Entre eles, encontravam-se Hércules, Teseu, Orfeu e Nestor. Os expedicionários foram chamados argonautas, do nome do barco. O "Argo", com sua tripulação de heróis, deixou a costa da Tessália e, depois de tocar na Ilha de Lemos, fez a travessia para a Mísia e dali passou à Trácia, onde os argonautas encontraram o sábio Frineu e dele receberam instruções sobre o futuro curso. A entrada do Ponto Euxino estava impedida por duas pequenas ilhas rochosas, que flutuavam na superfície do mar e, sacudidas pelas vagas, ajuntavam-se, às vezes, esmagando completamente qualquer objeto que estivesse entre elas. Eram chamadas as Simplegades, ou Ilhas da Colisão. Frineu instruiu os argonautas sobre o modo de atravessar aquele estreito perigoso. Quando os expedicionários chegaram às ilhas, soltaram uma pomba, que passou entre os rochedos sã e salva, perdendo só algumas penas da cauda. Jasão e seus companheiros aproveitaram-se do momento favorável em que as ilhas se afastavam uma da outra, remaram com vigor e passaram a salvo, enquanto as ilhas se colidiam de novo, atingindo a popa do barco. Remaram, então, ao longo do litoral, até chegarem à extremidade oriental do mar, onde desembarcaram no reino da Cólquida. Jasão transmitiu sua mensagem ao rei Etes, que concordou em desistir do Velocino de Ouro, se Jasão, por sua vez, concordasse em arar a terra com dois touros de patas de bronze que soltavam fogo pela boca e pelas narinas, e semeasse os dentes do dragão que Cadmo matara e dos quais sairia, segundo se sabia, uma safra de guerreiros, que voltariam suas armas contra o semeador. Jasão aceitou as condições e foi marcada a ocasião das provas. Antes, porém, ele conseguiu pleitear sua causa junto de Medéia, filha do rei, a quem prometeu casamento, invocando, por juramento, o testemunho de Hécate, quando se encontravam diante de seu altar. Medéia cedeu e, graças à sua ajuda, pois ela era uma poderosa feiticeira, Jasão conseguiu um encantamento, para se livrar da respiração de fogo dos touros e das armas dos guerreiros. Na ocasião marcada, o povo reuniu-se no Campo de Marte e o rei sentou-se no trono, enquanto a multidão ocupava as elevações próximas. Os touros de patas de bronze surgiram, respirando fogo e queimando as ervas, enquanto passavam, com as chamas que lhe saíam das narinas. O ruído que faziam era semelhante ao de uma fornalha e a fumaça que desprendiam à provocada pela água lançada sobre a cal viva. Jasão avançou, ousadamente, para enfrentá-los. Seus amigos, os heróis escolhidos da Grécia, tremeram ao contemplá-lo. Não obstante a respiração de fogo dos touros, ele lhes acalmou com a voz, afagou-os no pescoço e destramente colocou-lhes o jugo e obrigou-os a arar a terra. Os habitantes da Cólquida ficaram assombrados; os gregos lançaram gritos de alegria. Logo surgiu a sementeira de homens armados e — maravilha das maravilhas! — mal tinham atingido a superfície da terra, esses homens, brandindo suas armas, investiram contra Jasão. Os gregos tremeram de medo por seu herói, e mesmo aquela que lhe fornecera um meio de proteger-se e ensinara-lhe como usá-lo, a própria Medéia, empalideceu de temor. Jasão, durante algum tempo, manteve os atacantes a distância, com a espada e o escudo, mas, vendo que seu número era esmagador, recorreu ao encantamento que Medéia lhe ensinara: pegou uma pedra e atirou-a no meio dos inimigos. Estes, imediatamente, voltaram as armas uns contra os outros e, dentro em pouco, não havia vivo um só da estirpe do dragão. Os gregos abraçaram seu herói, e Medéia também o teria abraçado, se se atrevesse. Restava fazer adormecer o dragão que guardava o velocino e isso foi conseguido lançando-se sobre ele algumas gotas de um preparado que Medéia fornecera. Sentindo-lhe o cheiro, o dragão acalmou-se, ficou imóvel, por um momento, depois fechou os grandes olhos redondos, que, segundo se sabia, nunca fechara antes e, virando-se de lado, adormeceu. Jasão apoderou-se do velocino e, acompanhado dos amigos e de Medéia, apressou-se em dirigir-se ao barco, antes que o rei Etes impedisse a partida, e voltou à Tessália, onde todos chegaram sãos e salvos, e Jasão entregou o velocino a Pélias e consagrou "Argo" a Netuno. Não sabemos o que foi feito posteriormente do Velocino de Ouro, mas talvez se tenha verificado, à semelhança de muitos outros tesouros, que ele não valera o trabalho da conquista.
O episódio é uma dessas histórias mitológicas, observa um escritor, em que há razão para acreditar na existência de um substrato de verdade, embora perdida entre muita ficção. Trata-se, provavelmente, da primeira expedição marítima importante e, como se dá com as tentativas dessa espécie em qualquer nação, ao que a história nos ensina, deve ter tido, de certo modo, um caráter de pirataria. Se foram colhidos ricos despojos, tal fato seria suficiente para fazer surgir a idéia do velocino de ouro. Pope, em sua "Ode ao Dia de Sta Cecília", assim celebra o lançamento ao mar do navio "Argo" e o poder da música de Orfeu, a quem chama o Trácio:

Quando a primeira nau, ousadamente,
Desafiou o mar, em sua popa
O Trácio as cordas dedilha da lira,
Enquanto Argos contemplava as árvores,
Até há pouco suas companheiras,
Descer do Pélion para à praia virem.
Os semideuses em silêncio ouviram.
E os homens em heróis se transformaram.


No poema de Dyer, "O Velocino", há uma descrição do "Argo" e sua tripulação, que dá uma boa idéia dessa aventura marítima primitiva:

Reúnem-se os heróis vindos de todo
O litoral do Egeu: Castor e Polux,
Os ilustres irmãos, e Orfeu, o bardo
De lira pura e maviosa, e Zetas
E Calais, tão velozes quanto o vento,
Hércules e outros chefes renomados.
Na branca praia de Iodes eles se apinham,
Com as claras armaduras reluzindo.
A corda de loureiro e a enorme pedra
Ao convés são alçadas. Zarpa a nave
Cuja quilha perfeita mão de Argos
Para a ousada aventura construída.


Hércules deixou a expedição em Mísia, porque Hilas, um jovem amado por ele, tendo desembarcado para buscar água, ficou detido pelas ninfas da fonte, fascinadas por sua beleza, Hércules entrou numa discussão, por causa do jovem, e, durante sua ausência, o "Argo" se fez ao mar, deixando-o. Em uma de suas canções, Moore faz uma bela alusão a esse incidente:

Quando Hilas foi encher o seu cântaro à fonte
Ia alegre, jovial, ao caminhar sozinho,
E o cântaro, a vagar pelos prados e montes,
Largou, para colher as flores do caminho.

***

Desdenhei de beber, em minha juventude,
Na fonte do saber da sã filosofia.
Com as flores me ocupei tão só, enquanto pude,
E a urna que levei deixei ficar vazia.

A Mitologia Grega - Níobe.



O destino de Aracne tornou-se conhecido no país, servindo de advertência a todos os mortais presunçosos, para não se compararem com os deuses. Uma matrona, contudo, não aprendeu a lição de humildade. Foi Níobe, rainha de Tebas. Na verdade, tinha muita coisa de que se orgulhar; o que a envaidecia, no entanto, não era a fama de seu marido, nem sua própria beleza, nem a nobreza de sua ascendência, nem o poderio de seu reino: eram seus filhos. E, realmente Níobe teria sido a mais feliz das mães, se não se tivesse proclamado tal. Foi por ocasião das celebrações anuais em honra da Latona e sua prole, Apolo e Diana — quando o povo de Tebas se reunia, com as frontes coroadas de louro, levando incenso aos altares, rendendo seus tributos e cumprindo seus votos — que Níobe apareceu entre a multidão. Suas vestes eram esplêndidas, enfeitadas de ouro e pedras preciosas e seu aspecto belo, tanto quanto pode ser uma bela mulher enraivecida. Parando, ela contemplou a multidão, com ar altivo: — Que loucura é esta? — exclamou. — Preferir seres que nunca vistes àqueles que tendes diante dos olhos! Por que Latona deve ser cultuada, e eu não? Meu pai foi Tântalo, recebido como conviva na mesa dos deuses; minha mãe era deusa. Meu marido construiu e governa esta cidade, Tebas, e Frígia é minha herança paterna. Seja para onde for que eu volte os olhos, contemplo os elementos do meu poder. E meu aspecto não é indigno de uma deusa. Acrescentai a tudo isso o fato de que tenho sete filhos e sete filhas e procuro genros e noras à altura de minha aliança. Faltam-me motivos para ter orgulho? Preferis a mim essa Latona, filha do Titã, com seus dois filhos? Tenho sete vezes mais. Em verdade, sou feliz e feliz hei de ser! Poderá alguém duvidar disso? A abundância é minha garantia. Sinto-me demasiadamente forte para ser vencida pela Fortuna. Por mais que ela me tome, ainda me restará muito. Se eu perdesse alguns de meus filhos, dificilmente ficaria tão pobre como Latona, com seus dois únicos. Suspendei esta solenidade... tirai o louro de vossas frontes... Não prossigais este culto! O povo obedeceu, e não completou os serviços sagrados. A deusa ficou indignada. No cume da montanha cinfiana, onde morava, assim se dirigiu a seu filho e a sua filha: — Meus filhos, eu que sinto tanto orgulho convosco, e que me acostumara a considerar-me como a primeira das deusas, depois de Juno, começo agora a duvidar se sou realmente uma deusa. Deixarei de ser cultuada inteiramente, a não ser que me protejais.
Continuava a falar no mesmo tom, mas foi interrompida por Apolo. — Não digas mais nada — exclamou ele — As palavras apenas servirão para adiar o castigo. O mesmo disse Diana. Cortando o céu, escondidos nas nuvens, os dois desceram nas torres da cidade. Diante das portas, estendia-se uma planície, onde os jovens da cidade entregavam-se a exercícios bélicos. Os filhos de Níobe ali se encontravam com os demais, alguns cavalgando corcéis ricamente ajaezados, outros guiando aparatosos carros. Ismenos, o mais velho, quando dirigia seus fogosos cavalos, ferido com uma seta partida do alto, apenas teve tempo de exclamar "Ai de mim!", antes de largar as rédeas e cair sem vida. Outro, ouvindo o sibilo do arco — como o marinheiro que vê a tempestade aproximar-se e trata de virar as velas para o porto —, soltou as rédeas dos animais e tentou escapar. A inevitável seta atingiu-o enquanto fugia. Dois outros, mais jovens, terminados seus exercícios, haviam ido ao campo de recreação para divertirem-se com uma luta. Enquanto se entretinham de pé, peito contra peito, uma seta atravessou os dois. Deram um grito juntos, juntos olharam em torno surpresos e juntos exalaram o último suspiro. Alfenor, um irmão mais velho, vendo-os cair, correu para junto deles, a fim de socorrê-los, e caiu ferido enquanto cumpria seu dever fraternal. Restava apenas um, Ilioneus, que levantou os braços para o céu. — Poupai-me, deuses! — gritou, dirigindo-se a todos, sem saber que não precisava implorar a todos. Apolo o teria poupado, se a seta já não tivesse partido e já não fosse demasiadamente tarde. O terror do povo e o pesar dos circunstantes logo fizeram Níobe tomar conhecimento do que ocorrera. Custou-lhe acreditar; sentia-se indignada vendo que os deuses se atreviam a tanto e tinham capacidade de fazer aquilo. Seu marido, Anfíon, abalado com o golpe, suicidou-se. Ah! Quanto era diferente agora Níobe daquela que, tão pouco tempo antes, afastara o povo dos rituais sagrados, e caminhava triunfalmente pela cidade, despertando inveja em seus amigos, quanto agora causava compaixão aos próprios inimigos! Ajoelhou-se junto aos corpos sem vida e beijou ora um, ora outro de seus amados filhos.
— Cruel Latona! — exclamou, erguendo os pálidos braços para o céu. — Sacia todo o teu ódio em minha angústia! Que teu duro coração se regozije, enquanto levo ao túmulo meus sete filhos. Mas onde está o teu triunfo? Despojada como estou, ainda assim sou mais rica que tu, que me venceste. Mal falara, o arco vibrou, espalhando o terror em todos os corações, exceto no da própria Níobe, tornada corajosa pelo excesso de dor. Suas filhas, em vestes de luto, choravam junto aos corpos dos irmãos mortos. Uma delas, atingida por uma seta, caiu sobre o cadáver que pranteava. Outra, procurando consolar sua mãe, calou-se, de súbito, tombando em terra sem vida. Uma terceira tentou escapar escondendo-se, a quarta pela fuga e outra deixou-se ficar de pé, toda trêmula, sem saber o que fazer. Seis já estavam mortas e restava apenas uma, que a mãe apertou nos braços, como que para protegê-la com seu corpo. — Poupai-me esta, a mais moça! — gritou. — Poupai-me uma, entre tantas! E, enquanto falava, a filha caiu morta. Desolada, ela sentou-se entre os filhos, filhas e marido, todos mortos, apática com o sofrimento. A brisa não lhe agitava os cabelos, suas faces estavam inteiramente descoloridas, o olhar fixo e imóvel. Não havia nela sinal de vida. A própria língua prendeu-se ao céu da boca e as veias cessaram de transportar o fluido vital. O pescoço não se curvou, os braços não fizeram gesto algum, os pés não deram um só passo. Ela se transformara em pedra, por fora e por dentro. As lágrimas, no entanto, continuaram a correr. E, levada, por um redemoinho de vento, para sua montanha natal, ainda lá continua: um bloco de rochedo, do qual escorre um estreito regato, tributo de uma dor sem fim. A história de Níobe inspirou a Byron uma bela comparação com as tristes condições da Roma moderna:

A Níobe das nações!
Ei-la, indefesa,
Sem filhos, sem coroa, sem ao menos
Voz para lamentar as priscas glórias,
Tendo nas mãos inermes uma urna
Vazia já. As cinzas sacrossantas

No pó se dispersaram há longo tempo.
Dos Cipiões o túmulo jaz vazio.
Cada próprio sepulcro abandonado
Foi pelo morto ilustre, herói antigo.
Hás de correr, resignado, agora,
Num deserto de mármore, velho Tibre?
Sai de teu leito e, sob a água, esconde
A vergonha de Roma, velho Tibre!


Childe Harold, IV, 79,

Há na galeria imperial de Florença, uma famosa estátua, inspirada no episódio, e que se acredita ter pertencido, originalmente, ao frontão de um templo. A figura da mãe, abraçada pela filha horrorizada, é uma das mais admiradas da escultura antiga, colocando-se ao lado de Laocoonte e de Apolo, como uma obra-prima artística. Há um epigrama grego que se acredita referir-se a essa estátua e cuja tradução é a seguinte:

Em pedra a transformaram os deuses, mas em vão:
Fê-la viver de novo a arte do escultor.


Por mais trágica que seja a história de Níobe, não podemos deixar de sorrir diante da comparação que ela inspirou a Moore em seus Versos Escritos na Estrada ("Rhyme on the Road"):

Em sua carruagem, o orgulho da poesia,
Sir Richard Blackmore, seus versos escrevia.
E se não lhe faltava engenho nem tinteiro,
A morte e a epopéia ocupavam-lhe o dia,
Escrevia e matava, alegre, o dia inteiro.
E, como Apolo, assim, em seu carro corria,
Quer cantando, gentil, como deus da poesia,
Quer matando de Níobe o filho derradeiro.


Sir Richard Blackmore era médico e, ao mesmo tempo, poeta muito fecundo e muito sem gosto, cujas obras estão hoje esquecidas, a não ser quando lembradas numa alusão irônica, como no caso de Moore.

A Mitologia Grega - Minerva.





Minerva, a deusa da sabedoria, era filha de Júpiter. Contava-se que saíra da cabeça do deus, já adulta e revestida de armadura completa. Além de padroeira das artes úteis e ornamentais, tanto dos homens — como a agricultura e a navegação — quanto as das mulheres — como a fiação, tecelagem e os trabalhos de agulha —, era também uma divindade guerreira; só protegia, porém, a guerra defensiva e não simpatizava com o selvagem amor de Marte pela violência e pelo derramamento de sangue. Atenas era seu santuário, sua cidade, que lhe fora oferecida como prêmio de uma disputa com Netuno, que também aspirava a tal glória. A lenda diz que, no reinado de Cécrope, o primeiro rei de Atenas, as duas divindades disputaram a posse da cidade. Os deuses decidiram que o prêmio seria dado àquela que oferecesse aos mortais o presente mais útil. Netuno ofereceu o cavalo e Minerva, a oliveira. Os deuses decidiram que a oliveira era mais útil e concederam a cidade a Minerva, que lhe deu o nome, pois Minerva em grego é Atena. Houve uma outra competição, em que uma mortal se atreveu a concorrer com Minerva. Essa mortal foi Aracne, uma donzela que atingira tal perfeição nas artes de tecer e bordar, que as próprias ninfas costumavam deixar suas grutas e suas fontes para ir admirar seu trabalho, que era belo não somente depois de feito, mas belo também ao ser feito. Dir-se-ia que fora a própria Minerva a sua mestra, quando se a observava, pegando a lã bruta para formar novelos, ou separando-a com os dedos e cardando-a até que ela se tornasse leve e macia como uma nuvem, ou tecer o pano, ou, depois de tê-lo tecido, adorná-lo com os seus bordados. Ela negava, no entanto, não querendo ser discípula nem mesmo de uma deusa. — Que Minerva compare sua habilidade com a minha — disse ela. Se vencida, pagarei a penalidade. Minerva ouviu estas palavras e ficou indignada. Tomando a forma de uma velha, procurou Aracne e deu-lhe, benevolentemente, alguns conselhos. — Tenho muita experiência e espero que não desprezes os meus conselhos — disse. — Desafia os mortais como tu, mas não te atrevas a competir com uma deusa. Ao contrário, aconselho-te a pedir-lhe perdão pelo que disseste, e, como a deusa é misericordiosa, talvez te perdoe. Aracne interrompeu seu trabalho de fiação e encarou a velha visivelmente irritada. — Trata de dar conselhos a tuas filhas e a tuas servas. Quanto a mim, sei o que dizer e o que fazer. Não tenho medo da deusa. Que ela mostre sua habilidade, se se atrever. — Ela aqui está — disse Minerva, livrando-se do seu disfarce. As ninfas curvaram-se, reverentes, assim como todos os demais presentes. Apenas Aracne não se atemorizou. Na verdade, um rubor coloriu-lhe as faces, que, em seguida, tornaram-se muito pálidas. A jovem, porém, manteve-se firme e, levada pela louca confiança em sua habilidade, enfrentou o destino. Minerva, esgotada a paciência, já não deu novos conselhos. As duas iniciaram a competição. Cada uma toma sua posição e coloca o fio no tear. A esguia lançadeira é colocada entre os fios. O pente, com seus finos dentes, ataca a trama do tecido e a comprime. Ambas as competidoras trabalham com rapidez; suas ágeis mãos movem-se céleres, e o ardor da disputa torna leve o labor. Os fios purpúreos contrastam com os de outras cores, que confundem seus matizes de tal modo que os olhos não percebem onde se unem. Como o longo arco que colore o céu, formado pelos raios de sol refletidos na chuva, no qual as cores combinadas onde se juntam parecem a mesma, mas a pequena distância do ponto de contato são inteiramente diferentes.
Minerva bordou em seu tecido a cena de sua disputa com Netuno. Estão representados doze dos poderes celestes. Júpiter, com augusta gravidade, acha-se sentado no meio. Netuno, senhor do mar, segura o tridente, e parece ter acabado de golpear a Terra, da qual saltou um cavalo. A própria Minerva apresenta-se com o elmo na cabeça, o peito protegido por Égide. Assim era o círculo central; nos quatro cantos, estavam representados incidentes mostrando o descontentamento dos deuses com mortais presunçosos que se atreviam a concorrer com eles. Eram advertências de Minerva à sua rival, no sentido de desistir, antes que fosse demasiadamente tarde. Aracne escolheu especialmente para seus bordados assuntos destinados a provar os enganos e erros dos deuses. Uma cena representava Leda acariciando o cisne, sob cuja forma Júpiter se havia disfarçado; outra, Dânae, na torre de bronze em que seu pai a havia aprisonado, mas onde o deus conseguiu penetrar, sob a forma de uma chuva de ouro. Outra, ainda, mostrava Europa, iludida por Júpiter, sob a forma de um touro. Encorajada pela mansidão do animal, Europa aventurou-se a cavalgá-lo e Júpiter, então, entrou no mar e levou-a a nado para Creta. Tinha-se a impressão de que era um touro de verdade, com tal naturalidade e realismo estavam representados ele e a água em que nadava. Europa parecia olhar com ansiedade para a praia de onde saíra e pedir socorro às suas companheiras. Mostrava-se horrorizada com as ondas e encolhia os pés, para afastá-los da água. Aracne cobriu o pano de tais bordados maravilhosamente bem-feitos, mas deixando patentes sua presunção e impiedade. Minerva não pôde deixar de admirar, mas sentiu-se indignada com o insulto. Investiu contra o tecido, com sua lançadeira, e fê-lo em pedaços. Em seguida, encostou a mão na fronte de Aracne, fazendo-a sentir-se culpada e envergonhada, a tal ponto que, não podendo mais suportar, enforcou-se. Minerva compadeceu-se dela, ao vê-la suspensa a uma corda. — Viva, mulher culpada! — exclamou. — E, para que seja conservada a lembrança desta lição, continuarás pendente, tu e toda a tua descendência, por todos os tempos futuros. Aspergiu-a com o suco do acônito, e imediatamente seus cabelos caíram, e, do mesmo modo, desapareceram o nariz e as orelhas. Seu corpo encolheu-se e sua cabeça tornou-se ainda menor; os dedos colaram-se aos seus flancos, transformando-se em patas. Todo o restante dela mudou-se no corpo, do qual ela tece seu fio, suspensa na mesma posição em que se encontrava quando Minerva a tocou e metamorfoseou-a em aranha. Spencer conta a história de Aracne em seu poema "Muiopotmos", seguindo muito de perto seu mestre Ovídio, mas aperfeiçoando a conclusão do episódio. As duas estrofes que seguem contam o que foi feito depois de a deusa bordar a cena representando a criação da oliveira:

Por entre as verdes folhas da oliveira
Colocou, com tal arte, uma falena
Que bem viva e voando dir-se-ia.
Tudo era vivo: o veludoso pêlo
Que se estendia sobre as quatro asas,
A sedosa penugem sobre o dorso,
As compridas antenas, os brilhantes
Olhos e as cores várias e vistosas.
Vendo Aracne a obra já completa,
Com perfeição tão rara extasiada,
Imóvel, dilatadas as pupilas,
Quedou, sem que o silêncio conseguisse
Romper e nem os olhos afastar.
A vitória era sua, mas a ira
Que a deusa lhe causara foi tão grande
Que veneno mortal lhe trouxe ao sangue.


Assim, a metamorfose foi causada pela própria mortificação e vergonha de Aracne, e não por um ato direto da deusa. E eis, a propósito, um galanteio de Garrick no estilo da época:

A UMA DAMA, A RESPEITO DE UM BORDADO

De sua arte, Aracne era ciosa
A ponto tal, conta um poeta antigo,
Que a mediu com Minerva, frente a frente,
E da deusa sofreu atroz castigo.
Tem cuidado, Cloé, sê cautelosa.
Ah! não queira Minerva castigar-te,
De despeito, por teres, certamente,
Muito mais que Minerva, engenho e arte.

sábado, 7 de agosto de 2010

A Mitologia Grega - Hero e Leandro.



Leandro era um jovem de Abidos, cidade situada na margem asiática do estreito que separa a Ásia da Europa. Na margem oposta do estreito, na cidade de Sestos, vivia a donzela Hero, sacerdotisa de Vênus. Leandro a amava e costumava atravessar o estreito a nado, todas as noites, para gozar a companhia da amante, guiado por uma tocha, que ela acendia na torre, para esse fim. Mas, numa noite de tempestade, em que o mar estava muito agitado, o jovem perdeu as forças, e afogou-se. As ondas levaram o corpo à margem européia, onde Hero tomou conhecimento de sua morte e, desesperada, atirou-se da torre ao mar e pereceu. A história de Leandro atravessando o Helesponto a nado era tida como lendária e considerada impossível, até Lord Byron provar a sua possibilidade, realizando a façanha ele próprio. Na "Noiva de Abidos", diz ele:

Estes membros que as ondas carregaram

A distância na parte mais estreita do Helesponto é de quase uma milha e há uma corrente constante, no sentido do Mar de Mármara para o Arquipélago. Depois de Byron, a travessia tem sido realizada por outros. De qualquer maneira, porém, trata-se de uma proeza notável, capaz de assegurar fama àquele que a consiga realizar. No começo do segundo canto do mesmo poema, Byron assim alude à lenda:

Sopram fortes os ventos no Helesponto,
Como naquela noite tempestuosa
Em que o próprio Amor que o enviara
De salvar descuidou-se o bravo jovem,
O belo jovem, única esperança
De Hero, filha de Sesto. Solitária,
Na alta torre a fogueira crepitava,
Desafiando o furacão e as ondas.
As marítimas aves, crocitando,
Pareciam gritar-lhe que não fosse
E a cor escura das pesadas nuvens
Era outro núncio do perigo extremo.
Nada, porém, ele escutava ou via
Senão a luz do amor, a luz da estrela
Que, nas trevas, brilhava, solitária,
E a voz de Hero, a voz do amor, nas trevas,
Abafando o fragor da tempestade.

A Mitologia Grega - Clítia.

NENHUMA IMAGEM ENCONTRADA.

Clítia era uma ninfa aquática, apaixonada por Apolo, que não lhe correspondia, o que a fez definhar. Deixava-se ficar durante todo o dia sentada no frio chão, com as tranças desatadas caídas sobre os ombros. Durante nove dias assim ficou, sem comer nem beber, alimentando-se apenas com as próprias lágrimas e com o gélido orvalho. Contemplava o sol, desde que ele se erguia no nascente, até se esconder no poente, depois do seu curso diário; não via outra coisa, seu rosto voltava-se constantemente para ele. Afinal, conta-se, seus pés enraizaram-se no chão, seu rosto transformou-se numa flor que se move constantemente em seu caule, de maneira a estar sempre voltada para o sol, em seu curso diário, conservando, assim, o sentimento da ninfa que lhe deu origem.

A Mitologia Grega - Eco e Narciso.



Eco era uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes, onde se dedicava a distrações campestres. Era favorita de Diana e acompanhava-a em suas caçadas. Tinha um defeito, porém: falava demais e, em qualquer conversa ou discussão, queria sempre dizer a última palavra. Certo dia, Juno saiu à procura do marido, de quem desconfiava, com razão, que estivesse se divertindo entre as ninfas. Eco, com sua conversa, conseguiu entreter a deusa, até as ninfas fugirem. Percebendo isto, Juno a condenou com estas palavras: — Só conservarás o uso dessa língua com que me iludiste para uma coisa de que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas não poderás falar em primeiro lugar. A ninfa viu Narciso, um belo jovem, que perseguia a caça na montanha. Apaixonou-se por ele e seguiu-lhe os passos. Quanto desejava dirigir-lhe a palavra, dizer-lhe frases gentis e conquistar-lhe o afeto! Isso estava fora de seu poder, contudo. Esperou, com impaciência, que ele falasse primeiro, a fim de que pudesse responder. Certo dia, o jovem, tendo se separado dos companheiros, gritou bem alto:

— Há alguém aqui?
— Aqui — respondeu Eco.
Narciso olhou em torno e, não vendo ninguém, gritou:
— Vem! — Vem! — respondeu Eco.
— Por que foges de mim? — perguntou Narciso.
Eco respondeu com a mesma pergunta. — Vamos nos juntar — disse o jovem.
A donzela repetiu, com todo o ardor, as mesmas palavras e correu para junto de Narciso, pronta a se lançar em seus braços.
— Afasta-te! — exclamou o jovem recuando.
— Prefiro morrer a te deixar possuir-me.
— Possuir-me — disse Eco.

Mas tudo foi em vão. Narciso fugiu e ela foi esconder sua vergonha no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. De pesar, seu corpo definhou, até que as carnes desapareceram inteiramente. Os ossos transformaram-se em rochedos e nada mais dela restou além da voz. E, assim, ela ainda continua disposta a responder a quem quer que a chame e conserva o velho hábito de dizer a última palavra. A crueldade de Narciso nesse caso não constituiu uma exceção. Ele desprezou todas as ninfas, como havia desprezado a pobre Eco. Certo dia, uma donzela que tentara em vão atraí-lo implorou aos deuses que ele viesse algum dia a saber o que é o amor e não ser correspondido. A deusa da vingança ouviu a prece e atendeu-a. Havia uma fonte clara, cuja água parecia de prata, à qual os pastores jamais levavam rebanhos, nem as cabras monteses freqüentavam, nem qualquer um dos animais da floresta. Também não era a água enfeada por folhas ou galhos caídos das árvores; a relva crescia viçosa em torno dela, e os rochedos a abrigavam do sol. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios, para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pôde mais conter-se. Esqueceu-se de todo da idéia de alimento ou repouso, enquanto se debruçava sobre a fonte, para contemplar a própria imagem. — Por que me desprezas, belo ser? — perguntou ao suposto espírito — Meu rosto não pode causar-te repugnância. As ninfas me amam e tu mesmo não pareces olhar-me com indiferença. Quando estendendo os braços, fazes o mesmo, e sorris quando te sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos. Suas lágrimas caíram na água, turbando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou: — Fica, peço-te! Deixa-me, pelo menos, olhar-te, já que não posso tocar-te. Com estas palavras, e muitas outras semelhantes, atiçava a chama que o consumia, e, assim, pouco a pouco, foi perdendo as cores, o vigor e a beleza, que antes tanto encantara a ninfa Eco. Esta se mantinha perto dele, contudo, e, quando Narciso gritava: "Ai, ai", ela respondia com as mesmas palavras. O jovem, depauperado, morreu. E, quando sua sombra atravessou o rio Estige, debruçou-se sobre o barco, para avistar-se na água. As ninfas o choraram, especialmente as ninfas da água. E, quando esmurravam o peito, Eco fazia o mesmo. Prepararam uma pira funerária, e teriam cremado o corpo, se o tivessem encontrado; em seu lugar, porém, só foi achada uma flor, roxa, rodeada de folhas brancas, que tem o nome e conserva a memória de Narciso. Milton faz alusão à história de Eco e Narciso, na canção da Dama, do poema "Comus". A Dama, procurando os irmãos na floresta, canta, para atrair-lhes a atenção:

O Eco, doce ninfa que, invisível,
Vives nas verdes margens do Meandro
E no vale coberto de violetas,
Onde ao luar o rouxinol te embala,
Com seu canto nostálgico e suave,
Dois jovens tu não viste, por acaso,
Bem semelhantes, Eco, ao teu Narciso?
Se, em alguma gruta os escondeste,
Dize-me, ó ninfa, onde essa gruta está
E, em recompensa, subirás ao céu.
E mais graça darás, ó bela ninfa,
A Celeste harmonia em seu conjunto!


Além disso, Milton imitou a história de Narciso na descrição, que põe na boca de Eva, acerca de sua impressão, ao ver-se, pela primeira vez, refletida na fonte:

Muitas vezes relembro aquele dia
Em que fui despertada a vez primeira
Do meu sono profundo. Sob as folhas
E as flores, muitas vezes meditei:
Quem eu era? Aonde ia? De onde vinha?
Não distante de mim, doce ruído
De água corrente vinha. De uma gruta
Saía a linfa e logo se espalhava
Em líquida planície, tão tranqüila
Que outro céu tranqüilo parecia.
Com o espírito incerto caminhei e fui
Na verde margem repousar do lago
E contemplar de perto as claras águas
Que eram, aos meus olhos, novo firmamento.
Ao debruçar-me sobre o lago, um vulto
Bem em frente de mim apareceu
Curvado para olhar-me. Recuei
E a imagem recuou, por sua vez.
Deleitada, porém, com o que avistara,
Novamente eu olhei.
Também a imagem
Dentro das águas para mim olhou,
Tão deleitada quanto eu, ao ver-me.
Fascinada, prendi na imagem os olhos
E, dominada por um vão desejo,
Mais tempo ficaria, se uma voz
Não se fizesse ouvir, advertindo-me:
"Es tu mesma que vês, linda criatur
a.

Nenhuma das lendas da antigüidade tem sido mais comentada que a de Narciso. Eis dois epigramas que a encaram sob dois aspectos diferentes. O primeiro é de Goldsmith:

A PROPÓSITO DE UM JOVEM QUE FICOU CEGO EM CONSEQÜÊNCIA DE UM RAIO

Não por ódio ou descuido a Providência
Isto te fez, mas por piedade e arte:
Se cego te tornou, como Cupido,
Da sorte de Narciso quis livrar-te.


O outro é de Cooper:

SOBRE UM MOÇO FEIO

Evita, amigo, evita debruçar-te
Sobre o cristal de um cristalino veio,
Senão, como Narciso, irás matar-te,
Não por te veres belo, mas tão feio.