quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Mitologia Grega - Baucis e Filêmon.



Numa certa montanha da Frígia há, lado a lado, uma tília e um carvalho, rodeados por um muro baixo. Não muito distante do local fica um pântano, outrora terra habitável, mas agora cheia de lagos, e refúgio das aves aquáticas e corvos marinhos. Certa vez, Júpiter, sob forma humana, visitou a região, em companhia de Mercúrio (o do caduceu), sem suas asas. Apresentaram-se como viajantes fatigados, a muitas portas, procurando abrigo e repouso, mas encontraram todas fechadas, pois era tarde, e os poucos hospitaleiros habitantes não se dispuseram a levantar-se para ir recebê-los. Afinal, uma moradia humilde acolheu-os, uma pequena choupana, onde uma piedosa velha, Baucis, e seu marido, Filêmon, unidos quando jovens, haviam envelhecido juntos. Sem se envergonhar de sua pobreza, eles a tornaram suportável graças à moderação dos desejos e ao bom gênio. Não havia necessidade ali de procurar senhor e servo; os dois constituíam toda a casa, servos e senhores a um só tempo. Quando os hóspedes celestiais transpuseram o umbral humilde e abaixaram a cabeça para passar sob a porta muito baixa, o velho trouxe uma cadeira, sobre a qual Baucis, atenciosa e prestativa, estendeu um pano, pedindo-lhes que se assentassem. Em seguida, ela retirou as brasas do meio das cinzas e reavivou o fogo, alimentando-o com folhas e casco seco de madeira, e, com o pouco fôlego que lhe restava, soprou as chamas. Trouxe de um canto achas de madeira seca, quebrou-as e colocou-as sob a pequena chaleira. Seu marido colheu algumas ervas na horta e a velha preparou-as para a panela. Filêmon tirou com um gancho um naco de toucinho que pendia da chaminé, cortou um pedacinho e colocou-o na panela com as ervas, deixando o restante para outra ocasião. Encheram, em seguida, de água quente uma gamela de faia, a fim de que os hóspedes pudessem lavar-se. No banco destinado aos hóspedes foi colocada uma almofada com recheio de alga, e uma toalha, que só aparecia nas grandes ocasiões, foi colocada por cima. A velha, trazendo um avental, pôs a mesa, com as mãos trêmulas. Uma perna da mesa era mais curta que as outras, mas uma pedra colocada embaixo restabelecera o equilíbrio. Arrumada a mesa, Baucis passou sobre ela algumas ervas de cheiro agradável, e foram colocadas algumas azeitonas da casta Minerva, algumas conservas em vinagre, e acrescentaram-se rabanetes e queijo, com ovos esquentados no borralho. O repasto foi servido em pratos de barro e uma bilha de barro, com copos de madeira, achava-se entre as travessas. Quando tudo ficou pronto, colocou-se na mesa a sopa fumegante. Ajuntou-se algum vinho, não do mais velho, e, por sobremesa, maçãs e mel silvestre. Ora, enquanto o repasto prosseguia, os velhos ficaram assombrados ao ver que o vinho, à medida que era servido, renovava-se no jarro. Tomados de terror, Baucis e Filêmon reconheceram seus hóspedes celestiais, caíram de joelhos e imploraram perdão pela pobreza do acolhimento. Possuíam um velho ganso, que conservavam como guardião de sua humilde choupana, e acharam que ele poderia ser sacrificado em honra dos hóspedes. Mas o ganso, muito ágil, correndo e batendo as asas, escapou à perseguição dos velhos e, afinal, refugiou-se entre os próprios deuses. Estes não permitiram que ele fosse morto, e disseram: — Somos deuses. Esta aldeia inospitaleira sofrerá a pena de sua impiedade. Somente vós escapareis ao castigo. Deixai esta casa e vinde conosco para o alto daquele monte. Os dois apressaram-se em obedecer e, apoiados em seus bastões, puseram-se a galgar a íngreme subida. Estavam à distância de um tiro de seta do alto, quando, voltando os olhos para trás, avistaram toda a região transformada num lago, estando de pé apenas sua casa. Enquanto maravilhavam-se com esse espetáculo e lamentavam o destino de seus vizinhos, sua velha casa transformou-se num templo. Colunas tomaram o lugar dos rudes postes, o colmo tornou-se amarelo e transformou-se num teto dourado, o chão cobriu-se de mármore, as portas enriqueceram-se com baixos-relevos e ornamentos de ouro. Então Júpiter falou, com benevolência: — Excelente velho, e tu, mulher, digna de tal marido, dizei-me quais são os vossos desejos. Que favor quereis de nós? Filêmon consultou Baucis, durante alguns momentos, depois manifestou aos deuses seus desejos comuns: — Queremos ser os sacerdotes e guardiães deste vosso templo. E, como passamos toda a nossa vida com amor e concórdia, desejamos que a mesma hora exata nos tire a ambos a vida, e que eu não viva para ver o túmulo de Baucis, nem ela para ver o meu. Seu desejo foi satisfeito. Os dois foram os guardiães do templo enquanto viveram. Quando se tinham tornado muito velhos e estavam um dia de pé diante da escada do edifício sagrado, contando a história do lugar, Baucis viu Filêmon começar a cobrir-se de folhas, e Filêmon viu Baucis transformar-se da mesma maneira. Tufos de folhas já haviam crescido em suas cabeças e os dois continuavam a trocar palavras de despedida, enquanto podiam falar.

— Adeus, querida esposa. Adeus, querido esposo — diziam juntos, até o momento em que a nodosa casca lhes fechou a boca. O pastor tianeano ainda mostra as duas árvores, uma ao lado da outra, metamorfoses de duas boas pessoas. A história de Baucis e Filêmon foi imitada por Swift, em estilo burlesco, sendo os autores da transformação dois santos errantes, e a casa sendo transformada em capela, da qual Filêmon se tornou o vigário. Eis um trecho da mesma:

Mal se atrevem a falar, quando o telhado,
Devagar, começou a levantar-se.
Ergue-se cada viga, cada caibro.
As paredes pesadas se alteiam,
A chaminé alteia-se e alarga-se,
Em alto campanário se transforma.
Sobe a chaleira, até bater no teto,
Num barro te do teto fica presa,
Invertida, porém, para mostrar
A força de atração da gravidade,
Que em vão se exerce, pois força contrária
Sua queda detém e ali suspensa
A conserva, vencendo a gravidade.
Já não é mais chaleira, mas é sino.
Um girador de espeto de madeira,
Sem uso há tanto tempo que da arte
De assar a carne, quase se esquecera,
Transforma-se, de súbito e de todo,
Um recheio de rodas adquire
Para maior assombro e maravilha,
Quanto mais rodas tem mais lerdo fica.
Muito embora tivesse pés de chumbo,
Antes girava velozmente, e agora
Numa hora inteira, como que tolhido,
Uma só polegada mal avança.
O girador e a chaminé, amigos
Inseparáveis, não se separaram:
A chaminé é torre e seu amigo
Sem dela se afastar, sempre a seu lado,
O relógio virou do campanário,
Não esqueceu, contudo, os velhos dias,
Dos cuidados caseiros, não descuida
E ao meio-dia, dando horas, lembra
À cozinheira que queimar não deixe
A carne que ele próprio assar não pôde.
A pesada poltrona já começa
Ao mesmo tempo, como enorme lesma,
A deslizar ao longo da parede
E, maravilha!, em púlpito se torna.
O leito pesadão, de estilo antigo,
E em banco de igreja transformado,
Mas conservando a antiga natureza,
Pois quem nele se senta sente sono.

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