segunda-feira, 26 de julho de 2010

A Mitologia Grega - Juno e suas rivais.



Certa vez, Juno notou que o dia escurecera de súbito e imediatamente desconfiou de que o marido levantara uma nuvem para esconder algumas de suas façanhas que não gostava de expor à luz. Juno afastou a nuvem e viu o marido, à margem de um rio cristalino, com uma bela novilha ao seu lado. A rainha dos deuses desconfiou de que a aparência da novilha ocultava alguma bela ninfa de estirpe mortal, como, na verdade, era o caso. Tratava-se de Io, filha do rio deus Ínaco, a quem Júpiter cortejava, e a quem dera aquela forma, ao sentir a aproximação de sua esposa. Juno foi-se juntar ao marido e, vendo a novilha, elogiou a sua beleza e perguntou quem era ela e a que rebanho pertencia. Júpiter, para evitar que as perguntas continuassem, respondeu que se tratava de uma nova criação da terra. Juno pediu-lhe que lhe desse a novilha de presente. Que poderia Júpiter fazer? Não queria entregar a amante à sua esposa; como recusar-lhe, porém, um presente tão insignificante como uma novilha? Não poderia fazê-lo sem despertar suspeitas. Assim, concordou. A deusa ainda não pusera de lado suas desconfianças: entregou, portanto, a novilha a Argos, ordenando que fosse vigiada atentamente. Ora, Argos tinha cem olhos na cabeça e, para dormir, jamais fechava mais de dois, ao mesmo tempo, de maneira que velava por Io constantemente. Deixava-a pastar durante o dia e, à noite, amarrava-a com uma corda em torno do pescoço. Io sentia ímpetos de estender os braços para implorar liberdade a Argos, mas não tinha braços e sua voz era um mugido que amedrontava até ela própria. Viu seu pai e suas irmãs, aproximou-se deles, deixou-os acariciá-la e louvar-lhe a beleza. Seu pai estendeu-lhe um punhado de relva e ela lambeu-lhe a mão estendida. Ansiava-se por se fazer conhecida dele, mas, infelizmente, as palavras lhe faltavam. Afinal, teve idéia de escrever, e escreveu seu nome — era bem curto — com o casco, na areia. Ínaco reconheceu-a e, descobrindo que sua filha, a quem há tanto tempo procurara em vão, estava escondida sob aquele disfarce, chorou e abraçando-se com seu branco pescoço, exclamou: — Ah, minha filha! Teria sido menos doloroso perder-te inteiramente! Enquanto assim se lamentava, Argos, observando o que se passava, aproximou-se e levou Io dali, indo ele próprio sentar-se num alto talude, de onde podia olhar em todas as direções. Júpiter perturbou-se ao ver os sofrimentos da amante e, chamando Mercúrio, ordenou-lhe que matasse Argos. Mercúrio apressou-se: calçou as sandálias aladas, pôs o barrete, pegou sua vara de condão que fazia dormir e atirou-se das alturas do céu para a terra. Despojou-se, então, de suas asas, conservando apenas a vara de condão, com a qual se apresentou como um pastor conduzindo um rebanho. Enquanto caminhava, tocava sua gaita. Argos ouviu-o deleitado, pois era a primeira vez que via o instrumento. — Jovem! — exclamou. — Vem assentar-te ao meu lado nesta pedra. Não há melhor lugar para teu rebanho pastar por estas redondezas e aqui há uma sombra suave, tal como os pastores apreciam. Mercúrio sentou-se, conversou e contou histórias até bem tarde, e tocou em seu instrumento as melodias mais suaves, tentando adormecer os olhos vigilantes, mas tudo em vão. Argos conseguia deixar alguns de seus olhos abertos, embora fechando os demais. Entre outras histórias, Mercúrio contou-lhe como fora inventado o instrumento que tocava. — Havia uma certa ninfa, cujo nome era Sirinx, muito querida pelos sátiros e pelos espíritos dos bosques; ela, porém, não se entregava a nenhum, sendo fiel cultuadora de Diana, e dedicava-se à caça. Quem a visse em suas vestes de caça a teria tomado pela própria Diana; a única diferença é que seu arco era de chifre e o da deusa, de prata. Certo dia, quando ela voltava da caça, Pã encontrou-a, disse-lhe isto e muito mais. A ninfa correu, sem parar para ouvir as lisonjas, e ele a perseguia, até as margens do rio, onde a agarrou, dando-lhe apenas tempo de gritar pedindo a ajuda de suas companheiras, as ninfas da água. Estas ouviram e acederam ao pedido. Pã abraçou o que acreditava ser o corpo de uma ninfa e na verdade era apenas um feixe de juncos! Como desse um suspiro, o ar, atravessando os juncos, produziu uma melodia melancólica. Encantado com a novidade e com a doçura da música, o deus exclamou: — Assim, pelo menos, serás minha. Tomou alguns dos juncos, de tamanhos desiguais, colocou-os lado a lado, e assim construiu o instrumento que chamou de Sirinx, em homenagem à ninfa. Antes de Mercúrio terminar sua história, percebeu que Argos adormecera, com todos os olhos fechados. Enquanto cabeceava, Mercúrio, com um só golpe, cortou-lhe a cabeça e atirou-a embaixo do rochedo. Desventurado Argos! A luz de seus cem olhos apagou-se imediatamente. Juno tomou-os e colocou-os, como ornamentos, na cauda de seu pavão, onde até hoje permanecem. A vingança de Juno não estava ainda saciada, contudo. Mandou um moscardo perseguir Io, que fugiu de sua perseguição através do mundo inteiro. Atravessou a nado o Mar Jônico, que dela tirou o seu nome; correu pelas planícies da Ilíria; galgou o Monte Hemo e atravessou o estreito da Trácia, daí por diante chamado de Bósforo (rio da vaca); vagou pela Cítia e pelo país dos cimerianos e chegou, afinal, às margens do Nilo. Júpiter, enfim, intercedeu por ela e, diante de sua promessa de que não daria mais atenção alguma à ninfa, Juno consentiu em devolver-lhe a antiga forma. Foi curioso vê-la recuperar a própria aparência. Os ásperos pêlos caíram-lhe do corpo, os chifres encolheram, os olhos estreitaram-se, a boca diminuiu; mãos e unhas surgiram em lugar dos cascos das patas dianteiras; em breve nada mais restava da novilha, a não ser a beleza. A princípio, Io teve medo de falar, mas pouco a pouco, recuperou a confiança e foi levada de volta para junto do pai e das irmãs.
Num poema dedicado por Keats a Leigh Hunt, há a seguinte alusão ao episódio de Pã e Sirinx:

E nos contou como, em um dia,
Sirinx De Pã fugiu, tremendo, apavorada.
Desventurada ninfa! Pobre Pã!
Como chorou, ao ver que conquistara
Da brisa apenas um suspiro doce!

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